A Clínica (2)
Desde que a clínica que eu ia em Vilas do Atlântico, bairro em Lauro de Freitas (Região Metropolitana em Salvador), rompeu com a empresa do meu plano de saúde, tive que procurar outras clínicas de saúde mental. Acabei parando em uma localizada no bairro do Itaigara, em Salvador.
Era uma clínica modesta (estou sendo eufemístico). Você agenda a hora, mas na prática é por ordem de chegada. Cheguei por volta das 9h da manhã. O local estava lotado. Depois de 30 minutos, expressei meu fastio para um rapaz que estava do meu lado.
- O senhor está daqui desde que horas? O tempo de espera é muito longo?
- É longo!
Notei que esse rapaz e mais algumas pessoas estavam com cobertor em mãos.
- As pessoas sabem que não vão sair daqui tão cedo, então cochilam. - me disse.
O tempo passava sem dó. Eu estava na clínica há uma hora e meia. Durante esse período, eu e outros pacientes notamos baratas passando por baixo das cadeiras. Foram tantas que eu concluí que havia uma pandemia na saúde mental entre as baratas. As bichinhas deveriam estar péssimas. O problema é que escolheram uma clínica que é, no mínimo, controversa.
Depois de duas e meia esperando, fui chamado. Quase não ouvi o médico me chamar, pois estava havendo uma discussão pesada na recepção. Uma outra paciente não concordou com a teoria “cientificamente comprovada” de que os travesseiros quânticos vendidos na clínica curavam insônia.
Quando entrei na sala, olhei bem para a mesa. Sem receita amarela. E quando pedi, o médico disse que mesmo que tivesse não iria me dar.
- Por quê!?
- Você não tem TDAH!
- Claro que tenho!
Expliquei a ele meus sintomas, mas ele continuou cético.
- Muitos viciados aparecem aqui jurando que sofrem de problemas de atenção. Na verdade, só querem um estimulante para usar de forma recreativa.
- Doutor, eu esperei duas horas e meia para isso?
- Lamento.
Expliquei a ele meu problema de leitura.
- O que você lê? - ele me perguntou.
Eu estava com um livro de Heidegger na mochila. Era um autor que ele gostava. Ele finalmente acreditou em mim.
- Me convenceu. Mas infelizmente vou ter que solicitar a receita amarela. Aqui não tem.
Eu teria que voltar lá outro dia. Porém, a minha escassa paciência estava sendo, no momento, um problema maior que a falta de atenção. Não tinha a menor vontade de voltar ali.
Na saída, ele ainda me recomendou:
- Compre uma pulserinha quântica que a colega aqui do lado vende.
Fui embora e nunca mais voltei para aquele lugar. Vi no Google que existiam muitas reclamações contra aquela clínica. Se eu tivesse olhado antes, nunca teria pisado ali.
Tempos depois, soube que a clínica havia sido interditada. Pela vigilância sanitária. Um cliente muito peculiar acabou provocando isso. Uma barata que era paciente da clínica tinha feito uma queixa no Conselho Regional. Acusou uma psicóloga de não querer tratar da sua hiperatividade e ainda disse que foi ameaçada com um inseticida quântico. O funcionário que ouviu as queixas se tocou que estava conversando com uma barata e denunciou a clínica para a vigilância sanitária.