A fé se completa na esperança

 

          Vejo muito falar de fé, nos para-choques de caminhão, nos púlpitos das igrejas, na boca do povo a cantar Gilberto Gil: “Andá com fé eu vou, que a fé não costuma faiá”. E também nas casas lotéricas, gente dizendo que está “fazendo uma fezinha”. Em todas essas ocasiões, a fé se relaciona como se fosse uma coisa do sagrado, de direcionamento com Deus, que certamente se agrada com a fé, desde que não seja tão somente pedinte, mas sobretudo de reconhecimento e gratidão à sua providencial existência, e ao que Ele é de bom e de misericórdia. Distingo não ser do seu beneplácito o provérbio corrente, de cunho individualista, “Cada um por si e Deus por todos”, já que Jesus Cristo, em palavras, transformou essa fé protetora do Antigo Testamento, em fé benfeitora a todos. Ora, a fé se completa também na caridade, que é altruísmo, e na esperança, tidas como o tríplice das virtudes teologais.   
          Melhor que a fé não propicie apenas um benefício individual, mas primeiramente que atenda a todos, ao próximo, ao outro, sobremaneira, aos desconhecidos... De modo que “cada um por si” ou cada um que se vire seja transformado pela fé num Deus, que atende horizontalmente  todos os seus, e não só verticalmente aquele que diz ter fé para alcançar somente para si, inclusive benefícios interesseiros, materiais de riqueza e de luxúria, como as rogações para que Deus interfira na roleta da loteria, para sortear quem “fez uma fezinha” num jogo de azar. Ledo engano, perde-se quando se misturam as coisas, e a fé abrangendo apenas um pedaço da confiança.     
            A fé pura, não egoística, acredita num Deus de todos, que atende, como Pai, todos os seus filhos e filhas; de todos os credos, de todas as religiões. É inclusive misericordioso para com aqueles que discriminam outras crenças. Se houvesse uma religião, na qual se construísse uma fé que rejeitasse as demais, essa não falaria a linguagem que Deus deseja ouvir.
           Heráclito de Éfeso filosofa sobre como é surpreendente, quando acontece o que se espera, sobretudo inesperadamente: “Se não se espera, não se encontra o inesperado, pois ele não é encontrável, nem tem caminhos de acesso”. É como se ter esperança  contida no esperado. Se não houvesse a surpresa do inesperado não se motivaria a esperança, que se assemelha a uma incessante busca, pelas estradas da vida; caminhamos movidos pela força da esperança.
         No dia a dia, sempre esperar cansa, fatiga, sobretudo quando temos pressa e pouco tempo. Nesses casos, esperar é desafiante, pensamos até em desprezar certas metas ou objetivos. Tudo depende da relatividade da fé àquilo que se espera. Parece que vulgarmente se intuiu que a esperança nunca deve ser perdida. É como se diz por aí: “A esperança é a última que morre”. É a última, mas que morre, morre...
          E a vida é curta para uma longa esperança, mudanças no tempo a transformam. Contudo, enquanto vivemos, vivemos de esperanças. Quando algumas nos enganam, substituímos por outras, enfim a vida é cheia desses enganos e, para continuarmos vivendo, de fé em novas esperanças...