UM DIA DAQUELES

Uma colega, servidora pública municipal, assim como eu, alertou por WhatsApp que esta quinta-feira seria o penúltimo dia para reivindicar uma gratificação relativa ao ano de 2016.

Em casa completei as informações solicitadas no formulário e parti para a Cidade Nova, sede da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Vaga para estacionar veículos sempre foi um problema sem solução no bairro. Meu radar pessoal tem localizado todas as vagas para idoso em bairros que me são familiares, ou como nesse caso, frequentei antes da aposentadoria.

Surpresa, logo na primeira tentativa não uma, mas duas vagas de idoso livre. Na curta caminhada até a sede municipal, percebi que muitos imóveis comerciais pareciam desocupados.

Pelo tamanho da fila que rodeava o prédio, senti que esse seria um daqueles dias inesquecíveis, não pelo prazer. No momento de chegada à portaria, para retirar a senha de atendimento, ouvi de um servidor que as trezentas senhas disponibilizadas para o dia haviam se esgotado. Se pretendia mesmo fazer a requisição, que retornasse bem cedo no dia seguinte, e ainda reforçou, que por ser a última chance, a demanda provavelmente cresceria.

Não desisto fácil, fui para a fila e me posicionei exatamente atrás do professor que recebera o papelzinho com o número trezentos. Outros servidores aposentados chegavam, mas diante da situação, logo partiam.

Pensei cá com meus botões, quem seria o sádico servidor que resolvera, e provavelmente por iniciativa própria, achincalhar com a dignidade de pessoas idosas, que dedicaram sua vida laboral a essa instituição pública. Lembro que o órgão que paga tanto aposentadoria, como pensionistas dispõe de todas informações necessárias, para resolver esse imbróglio num teclar de dedos. Esse fato prontamente me lembrou a maneira de agir do capitão genocida, seria esse servidor um bolsominion infiltrado na esfera municipal?

Eu e mais um cinco gatos pingados mostramos resiliência, permanecendo na fila que subitamente estancou seu crescimento. Por volta do meio dia, surgiu um servidor perguntando se alguém na fila não era aposentado. Depois de rápida conversa, foram informados que deveriam se apresentar numa sala específica do prédio. Não titubeei, e solicitei a um dos professores, caso não precisasse da senha, eu teria interesse em recebê-la. Outras pessoas da fila fizeram a mesma solicitação. Agora era aguardar. Em menos de dez minutos recebi o número 269.

Pronto, estava nesse momento livre para almoçar, agora sem pressa. Mesmo não trabalhando no popular Piranhão, conhecia os restaurantes locais, pois constantemente meus serviços eram requisitados por secretarias, e eu acabava precisando almoçar por ali.

A Secretaria de Planejamento e o Iplanrio foram os primeiros órgãos a ocupar essa nova sede da prefeitura em 1982. A região não tinha sido reurbanizada, e se tornara comum a convivência com antigos moradores, que exerciam no entorno da prefeitura a mais antiga das profissões.

A região do Mangue ia gradativamente sendo destruída e sua população enxotada para outro local, destino similar ao das favelas da Zona Sul carioca durante a década de sessenta.

A verticalização com imóveis de uso comercial e acadêmico induziu a melhoria nos serviços ali disponibilizados, e a cada novo dia um empreendimento novo surgia. A Cidade Nova, mesmo com poucos moradores, conseguia ver crescer sua diversificação de serviços disponíveis.

Aí veio a pandemia, e num primeiro momento com trabalhadores em casa, esse comércio, que dependia exclusivamente dessa população flutuante, sentiu o golpe. O prolongamento das restrições impostas pela COVID acabou levando muita gente para o trabalho remoto, e então aconteceu o nocaute do comércio local.

Na hora do almoço constatei ao vivo e em cores acinzentadas, devido ao mau tempo, o estrago generalizado imposto aos pequenos empresários que investiram no bairro.

Durante as seis horas de permanência na fila aconteceram momentos de leitura, tempo para divagação sobre o lócus e conversas sobre o desrespeito que deixou de pé, por tanto tempo um contingente considerável de idosos.

Alcides José de Carvalho Carneiro
Enviado por Alcides José de Carvalho Carneiro em 02/02/2024
Código do texto: T7990495
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