Teoria da Coincidência
Certa vez, em uma universidade que estudei, um amigo me contou que a sua falta de atenção num detalhe evitou que ele percebesse a encrenca que estava por vir. Antes de abordar esse detalhe, o relato: ele entrou em um ônibus que posteriormente foi assaltado. O marginal parecia que já estava irritado com o motorista.
- Deu uma coronhada no motorista. O mel desceu. - disse o meu amigo.
Aliás, o marginal parecia estar furioso com todo mundo, inclusive com meu amigo.
- Colocou a arma na minha cara e me chamou de "vagabundo". - afirmou meu amigo.
Agora o detalhe que ele não notou. Antes de entrar no ônibus, o assaltante estava esperando na parada. Ele usava um uniforme da empresa estadual que fornece água e saneamento básico para a população de Salvador. Parecia que era um disfarce. Mas meu amigo notou - infelizmente, depois de ter sido roubado - que o sujeito não estava usando daquelas botas úteis para pisar em barro, típicas de funcionários dessa mesma empresa.
- Ele estava de chinelo. - disse meu amigo. - Se eu tivesse refletido um pouco mais, teria sacado e não entraria no ônibus.
Meu amigo garantiu que ficaria atento daquele dia em diante e voltou à rotina, pois, como se sabe, “a vida segue”. Evidente que ele estava psicologicamente mal e até mesmo um tanto paranoico, mas no dia seguinte ele precisou voltar a usar o transporte público para trabalhar como se nada tivesse acontecido.
Semanas se passam e ele “esquece” a experiência traumática. É a volta à “normalidade”. A paranoia se foi, o olhar vigilante contra quem passa pela catraca do ônibus diminuiu de forma significativa. Ele até já usava o celular novo no veículo lotado.
Em um determinado dia, ele estava na parada de ônibus. No mesmo local, há um homem vestido com o mesmo uniforme da empresa de água. Esse indivíduo parece observar bem as pessoas. Ele está a poucos centímetros do meu amigo, que está no celular jogando caça-palavras. Por um instante, meu amigo olha para o sujeito. Repara que ele está de uniforme e que está usando chinelo.
E volta os olhos para a tela do celular.
O ônibus chega. Todos entram. O homem de uniforme revela-se um bandido. Dá uma coronhada no motorista. Ameaça, bate, rouba as pessoas. Coloca a arma na cara do meu amigo, chama ele de “vagabundo”.
Na universidade, meu amigo mais uma vez lamenta:
- O desgraçado estava de chinelo. Se eu tivesse refletido um pouco mais, teria sacado e não entraria no ônibus.
A coincidência da situação foi o que despertou ainda mais o meu interesse. O segundo evento envolvendo meu amigo é bizarramente semelhante ao primeiro evento. É possível encontrar uma explicação para isso? Existiu um biólogo chamado Paul Kammerer (1880-1926). Ele escreveu um livro chamado “Das Gesetz der Serie” ("A Lei da Serialidade"). É um dos autores que estudaram e tentaram compreender a natureza das coincidências. A sua “teoria da serialidade” não possui nenhuma corroboração científica e foi amplamente contestada, mas será abordada aqui pela sua utilidade em fornecer material humorístico.
Se Kammerer analisasse os dois eventos envolvendo meu amigo, diria que não se tratam de eventos simplesmente aleatórios. Supostamente há uma lei e/ou ordem subjacentes que regem todos os eventos na sociedade. Um determinado “sistema”, que meu amigo está inserido, teria uma tendência inerente que possibilita a repetição em série de determinados eventos.
Ainda bem que essa “Lei da Serialidade” é pseudociência. Imagina se fosse uma teoria verdadeira. A ideia de um mesmo evento se repetindo em série é assustadora, pois não se sabe quando vai acabar. Esse evento poderia se repetir mais três, quatro… dez vezes na vida do meu amigo! Uma série de coincidências perturbadoras. Imagina ser assaltado dez vezes pelo mesmo assaltante usando um uniforme de empresa de água