Violino e camisas
Quando ocorre o passar da água na terra, na terra de chão, o seu rastro ali fica. E assim se forma a cavidade profunda dos enormes rios amazônicos.
Descia uma ladeira, numa rua sem pavimento algum. A rua mostrava, como um veterano de guerra, as suas cicatrizes, marcadas pelo passar das águas da chuva.
Era uma noite de céu limpo, estrelado. A rua morria na esquina seguinte, onde havia a entrada da Comunidade São Francisco de Assis. Sutilmente, conforme descia a rua, pisando nas pedras quase-escorregadias, sons de instrumentos encontravam meus ouvidos.
Era, na varanda de uma pequena casa amarela, uma banda de música de igreja. Eram mais ou menos umas 14 pessoas, todos vestindo camisas de manga curta, algumas listradas.
Parei para observar e ouvir; haviam dois violinistas, alguns tocando o cello, a flauta e outros instrumentos de sopro.
Um dos integrantes percebeu minha presença e me chamou para mais perto. Aproximei-me, mas não adentrei a varanda da pequena casa amarela, de modo que já parecia muito abarrotada da forma que estava.
Sentei-me num banquinho de plástico que me entregaram. Ainda estavam tocando, e eu, observava.
Após tocarem a peça, todos exclamaram, em tom mais ou menos baixo, quase que em sincronia, "graças a Deus".
Não dirigiram a palavra a mim. Um deles, com um caderno em mãos, exclamou um número, o qual não me lembro e, em pouco tempo, já estavam tocando outra peça. E eu a ouvi.
Quando terminaram, perceberam que eu ainda estava ali. Me perguntaram "Você quer que toquemos um hino? Qualquer um, do 1 ao 200 e poucos". E eu respondi, em tom de sinceridade, percebendo que se tratava de uma reunião protestante, "desculpem-me, mas sou católico. Parei para observar pela música, apenas."
Após um curto silêncio, curto o suficiente para não ser constrangedor, o que aparentava ser o dono da casa amarela me dirigiu a palavra: "Você não gostaria de participar do culto? Fazemos nas quartas e..."
Uma conversa curta se sucedeu e eu tomei meu caminho novamente, caminhando na rua cicatrizada...