PERDÃO

Perdoar faz engolir algo bem maior do que a garganta suporta. Desce com dificuldade, teimando, relutando, reclamando, xingando, chutando tudo em volta. Por vezes acontece a contragosto, como se obedecesse às ordens do pior inimigo que temos nessa vida. Mas quando perdoamos aplaudidos pelos rincões da alma, muda tudo. Purgamos nossos remendos, farsas e roteiros sorrateiros. O perdão vem com peito inflado, coluna ereta, voz de rei. Perdoar com todos seus guizos glorifica a nossa condição humana, coisa rara nesses dias. Perdoar certo e feliz rejuvenesce as pedras, acaricia Deus e respinga gotas de alívio. Quem perdoa fincado numa certeza fica mais orvalhado, mais arejado, menos vadio, menos podre. Vale a pena perdoar quem nos machucou, virou as costas, fez mal danado. Vale a pena perdoar quem nos pisou, cuspiu, rasgou, mijou, chutou fora, chacoalhou até não poder mais. Vale a perna perdoar quem nos afundou, descarrilhou, esgarçou até o último pedaço. Vale a pena perdoar quem arrancou nossos cabelos, afogou nossos sonhos, acabou com nossa paz. Vale a pena perdoar quem esmigalhou a nossa fé, destroçou a nossa razão, expulsou o nosso coração de vez, para nunca mais voltar. Vale a pena perdoar quem nos matou, envergonhou, fez sofrer e lamentar como nunca imaginamos ser possível.

Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 01/02/2024
Código do texto: T7989572
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