DISTANTE REFERÊNCIA
Quem circula no eixo Cabo Frio / Búzios já deve ter reparado em duas elevações que despontam em direções inversas no horizonte dessa planície lagunar, os Morros São João e o da Ilha de Cabo Frio, o primeiro com 816, o outro com 395 metros de altitude
O Morro São João, no litoral de Casimiro de Abreu, quando visto de longe, lembra um vulcão e creia, alguns geólogos afirmam que esse maciço alcalino tem origem em sismos ocorridos em período geológico passado.
O desejo de subir os 3 km de trilha desse morro foi resolvido de forma inusitada. Soube que um rústico hotel (Pousada Fazenda São João) localizado na vertente leste do maciço, organiza excursões para interessados em conhecer a trilha em meio a Mata Atlântica intocada, com flora exuberante e diversificada fauna, com destaque para: cobras, macacos bugio, lagarto teiú, tatus e ouriços, mas a cereja do bolo, não podia ser mais glamorosa, a paisagem de 360° com horizonte a perder de vista, onde prevalecem variações do azul, vindo do céu, do mar e da Lagoa de Araruama.
Antes da partida, fiquei observando a formação de um verdadeiro exército de Brancaleone no pátio do hotel. Eram pessoas sem intimidade com o que pretendiam tentar fazer. Roupas e calçados inadequados davam uma pista de serem marinheiros de primeira viagem. Olhando detidamente a diversidade etária e os biótipos senti que estava entrando numa enrascada.
Todos estavam desatentos às informações que dois funcionários tentavam passar em vão sobre os detalhes da caminhada ao cume do morro. Demonstrei, logo que pude, minha preocupação, não só pelo numeroso contingente de pessoas, mas principalmente pela pouca idade de alguns e o aspecto sedentário de outros. Para complicar ainda mais essa tragédia anunciada, os supostos guias alertaram para um possível aumento no tempo previsto de trilha, devido a necessidade reabrir o caminho em alguns trechos.
Eu tentei alertar para os possíveis problemas, mas fui voto vencido quando sugeri pelo menos dividir em dois grupos a caminhada. Muita gente reduz velocidade ampliando o tempo de caminhada. Para os organizadores do evento, segurança era preocupação secundária, se fizeram de surdos, prioridade seria aproveitar o bom momento, e arrecadar o máximo possível.
Na partida, o grupo contava com vinte participante, mal começamos a subida e duas baixas aconteceram, como seria de se esperar, obesos e provavelmente sedentários sentiram o esforço e alguma distensão muscular os impediu de prosseguir. Estas, infelizmente tiveram que se contentar em descansar um pouco, ganhar fôlego, e retornar ao hotel.
Como esperado, a caminhada seguia em ritmo lento, pois muita gente, independente da condição física, reduz a velocidade. Passada a primeira hora, todos puderam assistir a um fato até então inusitado, duas pessoas literalmente ferveram, como acontece em veículos por problema no radiador, soltavam fumaça por todas partes do corpo, inclusive pela cabeça. Preocupação generalizada, no grupo não tinha nem médico e muito menos guia. A água dos cantis foi despejada sobre aqueles corpos fumegantes.
Um dos “guias” e alguns trilheiros e seus filhos menores que já estavam exaustos, aproveitaram a situação e interromperem a desastrada aventura. Um grupo reduzido, agora com nove pessoas prosseguiu. As três horas estimadas para a subida se transformaram em quase cinco, finalmente teríamos nossa prometida recompensa, a indescritível vista que só os que conseguiram galgar os sofridos 3 km de trilha poderiam desfrutar. Nesse batalhão, que conseguiu superar os desafios, os arranhões fizeram riscos nos braços, pernas e inclusive nos rostos.
O dia não estava mesmo para caminhada, no trajeto, a mata fechada não permitiu em momento algum uma nesguinha de vista e agora que as árvores tinham ficado para trás, uma densa nuvem escura chegou e ficou presa à montanha, impedindo o grupo de desfrutar esse prazer tão comum a andarilhos e montanhistas.
Depois de meia hora de plantão, desistimos e retornamos a trilha, sabíamos da necessidade de acelerar o passo, enquanto o grupo estava restrito. Mais abaixo nos integraríamos a parcela mais desgastada, o que fatalmente reduziria a velocidade, e um perigo parecia eminente, a possibilidade de anoitecer com o grupo ainda na floresta.
Para fechar a caminhada de problemas com chave de ouro, outra pessoa ferveu, e desta vez com o agravante de não termos mais reserva de água para tentar baixar sua temperatura. Ficamos todos numa espécie de clareira, aguardando o restabelecimento da vítima. Passados mais trinta minutos, retornamos à decida da trilha, difícil foi conseguir voluntários para se revezarem no apoio do desgastado e pesado enfermo. Aos trancos e barrancos o grupo conseguiu já sem a luz do sol, finalmente avistar o iluminado hotel.
Valeu a lição, quem se arrisca no desconhecido, sem o devido planejamento, vai correr o risco de entrar numa furada, e o pior, sem ter capacidade de avaliar as possíveis perdas e danos.