Entre Sem Bater - Cheiro do Povo

João Figueiredo disse:

"... pra mim, o cheiro do cavalo é melhor do que o cheiro do povo ..." (1)

João Batista, como dizia Salomé, a personagem de Chico Anysio, foi um presidente diferente de outros militares. Conversava além dos limites de um militar e gostava de ter serviçais que não questionasse nada. Desse modo, suas frases eram politicamente incorretas, e parte do povo achava tudo lindo. Militares nunca souberam, inquestionavelmente, o que é cheiro do povo.

CHEIRO DO POVO

A expressão, a princípio, sugere algum tipo de preconceito contra quem quer que tenha a classificação de "povo". No caso de um presidente da república que resultou de um golpe e uma ditadura, era compreensível a indelicadeza. Como se não bastasse, este presidente era useiro e vezeiro em dizer frases agressivas, como se fosse algum tipo de ser inteligente. Por outro lado, é compreensível para alguém mais próximo de cavalos e que chefiou o serviço de inteligência da nação.

A propósito, nestes tempos de altas tretas em relação a ABIN (ex SNI) e com o último presidente, é possível entender um pouco da confusão. João Figueiredo era um boquirroto, mas contava com seus vassalos para aplaudir sua sinceridade e as suas asneiras.

A frase-tema deste texto teve publicação, surpreendentemente, num livro de frases do Ruy Castro(*), e não teve refutação do autor. Certamente, o João Batista era digno do melhor do mau humor tupiniquim. Entretanto, nada justifica as suas frases e suas ações com claro destempero e má vontade para as coisas do Brasil. Do mesmo modo que outros presidentes militares, protegia filhos e filhas, como ainda vemos atualmente.

COICES E RELINCHOS

O ex-presidente disse muitas coisas que podem provocar sorrisos atualmente, mas que não podem ter a perspectiva de glamourização. Algumas pessoas estão, em grupos de redes sociais, atribuindo uma destas frases (de que ele ira reconhecer o PT) ao general. Contudo, a frase apareceu numa publicação, muitos anos depois do falecimento dele. Enfim, as malditas redes sociais aceitam qualquer mentira e depois de sua disseminação não tem retorno.

No caso dos relinchos do João Batista, os que reproduzem, são praticantes de coices e relinchos com agravantes de ignorância adicional. É, sem dúvida, muito difícil escolher as frases e tentar trazê-las para os nossos dias. Afinal, são mais de 30 anos e não dá para esquecer a quantidade de frases sem qualidade e respeito de certas autoridades e celebridades(1). Aliás, esquecer João Figueiredo, como ele pediu aos sair da presidência, é impossível.

Recentemente, publiquei texto que falava da classe média e dos privilégios(2) de certas castas, que abominam o cheiro do povo. Essa classe média é preconceituosa e avessa a tudo que venha dos pobres ou do povo, até o cheiro. E, por isso atacam quem não consegue se defender para garantir seu status quo a partir da diminuição de direitos dos mais indefesos.

PENSAMENTOS DE UM CAVALO

A frase lendária sobre o cheiro do povo e dos cavalos ecoa, atualmente, nas timelines das redes sociais. Ah, como o tempo voa, mas as pérolas políticas permanecem na boca dos ignorantes. Hoje em dia, enquanto alguns se perguntam se a declaração presidencial era um comentário sutil e humorado, outros a tratam como uma ofensa. A preferência pessoal aromática do João deve ser a mesma dos defensores das pérolas do passado, nas redes sociais.

Esses corajosos guerreiros virtuais, fervorosamente adoradores de militares no poder, assumem a missão de exaltar cada vírgula de ex-presidentes. Para eles, defender o aroma equino em detrimento do cheiro do povo é mais do que uma posição política; é uma filosofia de vida.  Afinal, quem precisa de aromatizadores de ambientes quando se vive numa estrebaria mental?

No vasto mundo digital, os adoradores de Figueiredo e outros se organizam em grupos secretos. Desse modo, podem ativar suas agências de inteligência para criar memes, piadas e até mesmo receitas de como recriar o cheiro de cavalo. Para eles, a frase é mais do que uma observação olfativa peculiar; é um lema que transcende o tempo e os odores.

DIVERSIDADE OLFATIVA JÁ!

Em suas postagens fervorosas, esses defensores do perfume equino argumentam que o ex-presidente João Figueiredo sempre disse verdades. Desse modo, sobre o cheiro do povo, ele expressou sua preferência pessoal, algo que todos deveriam fazer sem medo de represálias.

"Viva a diversidade olfativa!, ele sempre teve razão em tudo", proclamam eles.

Alguns chegam a criar hashtags como #CheiroDeCavaloÉVida e #DiversidadeOlfativaJá para propagar uma causa comum. Em seus perfis sociais, fotos de estábulos e cavalos somam-se a selfies políticas e motociatas sem o cheiro do povo. Afinal, para eles, a política pode ser passageira, mas o cheiro de cavalo e o ronco das motos são eternos.

Enquanto alguns podem se perguntar se a frase do ex-presidente era um mero desabafo ou um pensamento profundo. Contudo, as complexidades da vida urbana de antes tornaram-se mais graves, e o cheiro do povo continua indigesto para eles. Os vassalos destes déspotas, pensam que o cheiro de cavalo transcende as barreiras do tempo e dos palácios presidenciais.

E assim, nas redes sociais, os serviçais continuam sua batalha olfativa e política, numa polarização estéril e estúpida. Assim sendo, continuam a desafiar a inteligência das pessoas com seus compartilhamentos de frases mentirosas. Afinal, em meio às disputas políticas, lembramos que, para alguns, o cheiro de cavalo é mais do que um aroma – é um estilo de vida.

FRASE LAPIDAR

Pouco antes de tomar posse como presidente da república, João Figueiredo deu mostras do que era realmente. Sem dúvida, o cheiro do povo era uma coisa que ele não tinha a mínima noção do que se tratava. Das muitas frases absurdas de um ex-presidente destacamos uma:

"Eu não quero citar nomes, mas há muitos fantasiados de democratas aí que participaram do regime mais ignominioso que eu já vi, o Estado Novo de Vargas, e que hoje posam de democratas, pedem democracia plena. No Estado Novo, sim, eu era cadete do Exército e tive conhecimento de torturas bárbaras, muito piores que estas que denunciam hoje, se é que estas existem mesmo. Meu pai estava na prisão e eu vi de perto o que era tortura."

Futuro presidente, general João Figueiredo, em 1978, em entrevista para a Folha de S. Paulo.

E ainda tem cidadão brasileiro que apoia o que dizia este general torturador e antidemocrático. Que me desculpe o Ruy de Castro, não tem nada de humor (nem bom, nem mau) na opinião sobre cheiro do povo, do João.

O fim do mundo é logo ali ... "Amanhã tem mais ..."

P. S.

(*) "O melhor do mau humor" Ruy Castro (1999)..

(1) "entre sem bater - João Figueiredo - Cheiro do Povo" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/01/31/entre-sem-bater-joao-figueiredo-cheiro-do-povo/

(2)  "Entre sem bater - Harry Belafonte - As Celebridades" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/01/30/entre-sem-bater-harry-belafonte-as-celebridades/

(3) "Entre sem bater - Milton Santos - Os Privilégios" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/01/26/entre-sem-bater-milton-santos-os-privilegios/