A queda do homem
Chego ao terminal onde vou trocar de ônibus, eu, minha mochila e um livro, um livro que estou segurando, marcando a página com minha mão, pois daqui a pouco já vou abrir o livro de novo, só questão de chegar à plataforma e esperar pelo próximo ônibus, já estou quase lá, só subir essa escadinha aqui e talvez consiga o primeiro lugar na fila da porta 4, só subir essa escadinha e...
Estou caindo, que diabo, tenho consciência de que estou caindo, mas isso de nada adianta, porque não vou conseguir parar de cair, quem começa a cair vai até o fim, então eu continuo a cair, já me lamentando por ter que passar por isso logo cedo, e em tudo isso eu consigo pensar naqueles milésimos de segundos em que caio, aqueles milésimos de segundos que não acabam nunca, e então eu percebo que minha queda está fazendo um barulho estrondoso, o que não é de admirar, só andar nessas plataformas já faz um baita barulho, imagine cair, imagine ir tropeçando por metros a fio, e a minha sorte é que não tem ninguém parado no lugar onde estou caindo, senão eu cairia em cima das pessoas, e ainda teria que me desculpar, não que a vergonha agora seja menor, mas, já que é para cair, que seja mesmo no chão vazio, se bem que isso vai ralar meu joelho, certeza que vai, e agora percebo que um pouco à minha frente estão duas senhoras, elas ainda não viram que estou caindo, estão viradas para o outro lado, e eu já fazendo um barulho tão grande perto delas, mas nem sinal de elas perceberem, sorte que não vou atingi-las, imagine, atingir duas senhoras, mas então já estou quase terminando de cair, e só então uma das senhoras olha para mim e percebe o que está acontecendo, mas se assusta, acha que é alguma coisa mais grave, não que seja pouca coisa cair no chão da plataforma assim, mas é só isso que está acontecendo, e então eu termino de cair e só então a senhora diz: "Meu Jesus!".
Levanto tão logo quanto possível, não foi nada, vocês não viram nada, embora o terminal todo agora esteja olhando para mim, mas não foi nada, estou bem, só não dou pulos porque meu joelho dói, mas certeza que foi só um raladinho, já caí de bicicleta e foi muito pior, voltem às suas vidas, parem de me olhar, será que amanhã irão me ver aqui e se lembrar disso, tanto faz, estou bem, e o mais importante: não perdi a página que estava marcando no livro.
Chego à fila da porta 4, consigo realmente o primeiro lugar, e abro o livro. Muito bem, onde paramos?