DESIGUALDADE ALIMENTAR: Entre a Fartura e a Escassez
Moacir José Sales Medrado[1]
Há uma contradição flagrante entre a abundância de recursos em determinados países e regiões e a carência que assola outras. Vivemos em um mundo onde solos férteis, climas diversos e água não estão distribuídos equitativamente, mas, mesmo assim, as mais avançadas tecnologias e os frutos da ciência florescem, prometendo soluções para esses problemas.
A agricultura moderna, beneficiada pelos avanços tecnológicos, vem transformando a produção de alimentos em uma eficiente máquina de nutrientes. Sementes geneticamente modificadas, técnicas de irrigação de precisão e sistemas de monitoramento revolucionaram a maneira como cultivamos. A ciência tem desempenhado um papel crucial, permitindo colheitas mais robustas e adaptação a condições adversas.
No entanto, essa promessa de fartura se desintegra diante dos números assustadores de desperdício. Ao longo da cadeia produtiva, toneladas de alimentos são descartadas, desde a plantação até a armazenagem. A negligência durante o processo produtivo e a armazenagem, combinada com falhas logísticas, resultam em uma montanha de recursos desperdiçados.
As feridas da insegurança alimentar são agravadas por guerras, guerrilhas, mudanças climáticas e pelo manejo inadequado dos recursos naturais. Algumas parcelas de agricultores, em busca de resultados imediatos, exploram a terra de maneira insustentável, comprometendo a fertilidade do solo e a disponibilidade de água. Esse manejo inadequado contribui para a degradação ambiental e agrava a insegurança alimentar em comunidades vulneráveis.
Além disso, crises políticas, econômicas e sanitárias (inclusive pandemiais), agravam a situação. Na esteira de conflitos, campos de cultivo tornam-se campos de batalha, e a distribuição de alimentos enfrenta obstáculos insuperáveis. Em momentos de instabilidade econômica, o acesso à comida beira a tornar-se um luxo.
Este é o quadro atual, uma pintura complexa onde a fartura e a escassez coexistem de maneira intrincada, agora agravada por desafios globais e pelo manejo inadequado dos recursos naturais. Enquanto uns desfrutam de um verdadeiro festim, outros lutam para saciar a fome que os atormenta diariamente.
Nesse contexto, a insegurança alimentar contribui para a fome em suas diversas formas: aguda, crônica e oculta. A incerteza sobre o acesso a alimentos essenciais agrava as crises humanitárias, desencadeando uma dança macabra entre a abundância potencial e a falta devastadora.
Em meio a esse cenário, surge a necessidade premente de repensar não apenas como produzimos alimentos, mas como distribuímos e valorizamos cada grão. O desafio é monumental, mas a esperança reside na capacidade de transformar a retórica da abundância em ações concretas, mitigando desperdícios, promovendo a equidade no acesso, cuidando do manejo sustentável dos recursos naturais e cultivando a paz para que a terra, generosa em seus dons, possa alimentar a todos os seus habitantes, apesar dos múltiplos desafios que a humanidade enfrenta.
[1] Engenheiro Agrònomo (UFCE), Especialista em Planejamento Agrícola (SUDAM/SEPLAN – Ministério da Agricultura), Doutor em Agronomia (ESALQ/USP), Pesquisador Sênior em Sistemas Agroflorestais (EMBRAPA – aposentado), Consultor e Proprietário da Medrado e Consultores Agroflorestais Associados Ltda.