Os 50 anos do acidente na procissão de Navegantes
Fevereiro de 1974 foi um mês cabuloso para o Brasil e o Rio Grande do Sul: dia 1º foi o incêndio do edifício Joelma, em São Paulo e, dia 15, a morte do cantor José Mendes, num acidente de trânsito na BR 471, no percurso Pelotas - Rio Grande. Entre essas datas, aconteceu um trágico acidente na região Carbonífera, durante a tradicional procissão para Nossa Senhora dos Navegantes no Rio Jacuí, em Charqueadas, deixando marcas indeléveis na memória de seus cidadãos.
Pedro Noé Rocha recorda bem da manha daquele domingo, 3 de fevereiro de 1974. Aos 29 anos, após a missa festiva das 07h30min, foi com seu casal de filhos, acompanhado por seu xará e primo com os deles, a fim de embarcar num dos barcos da tradicional procissão, naquele ano liderada pelo padre José Frederico Rech. Lá chegando, seus planos foram frustrados, pois na lancha do senhor Manoel Lima (onde estavam Rosa Melchiors e seus parentes) não havia mais espaço. Voltaram para a casa e, só depois, ficaram sabendo do acidente com vítimas fatais. A procissão descia o rio em direção à Granja Carola, onde faria o retorno para a cidade, entretanto uma enorme embarcação de carregar areia vinha em sentido contrário, subindo o Jacuí e, na altura do limite entre os bairros Santo Antônio e Colônia, colidiu com um dos barcos lotados da procissão, fazendo com que muitas pessoas caíssem na água e, algumas, se afogassem. Pelo que recorda, falaram que uma família inteira chegou a perecer no evento. Sabe ao certo que um senhor, chamado Gregório, estava no local com seu caíco e ajudou a salvar muita gente, ficando psicologicamente abalado com o fato, além de que a Copelmi à época possuía 14 rebocadores que participavam da comemoração.
Já Rosa Melchiors tem memória bem viva e nítida, eis que, adolescente, encontrava-se justamente na embarcação atingida. Conta que estava na terceira ou quarta embarcação e que a primeira lancha, com o andor-galera de Nossa Senhora dos Navegantes, conseguiu desviar, junto com a segunda. Daí recorda "como se fosse hoje, aquele enorme casco escuro vindo na nossa direção". Com a batida, algumas pessoas caíram na água e outras no porão de carregar areia da embarcação, que estava vazia. Rosa ficou pendurada por uma das pernas para o lado do porão, sendo que sua irmã e uma criança caíram dentro dele. As pessoas se dividem sobre o número de vítimas fatais, algumas chegam a falar em dez mortos, mas Rosa é enfática: três pessoas faleceram, uma mãe com seu filho e o filho o senhor Osmar.
Destaca ainda a presença, na embarcação atingida, do médico Günther, que realizou um atendimento prévio aos feridos. A propósito, ao contrário da lembrança de Rosa, um outro médico não teve uma menção positiva na edição de março de 1974 do jornal Folha Mineira, numa matéria intitulada Clamando por justiça, na capa. Nela, mencionou-se que uma menina de 12 anos, uma das feridas no acidente da procissão, não foi atendida até um senhor bancar a consulta, dando 60 cruzeiros para o doutor. Era o período anterior à Constituiçao de 1988, logo, não existia o SUS, apenas o INPS, que abarcava somente aqueles que possuiam carteira de trabalho ativa.
Passadas quase cinco décadas da tragédia, Renan Selbach (que gentilmente cedeu as fotos utilizadas nesta crônica), de abril à dezembro de 2023, reformou aquela mesma galera-andor (fotos abaixo) para a 78ª Festa de Nossa Senhora dos Navegantes - cuja novena acontece agora, até o dia 1º, e a missa festiva e a procissão terrestre em 2 de fevereiro. Por cerca de vinte anos não utilizada devido suas precárias condições, foi construída em 1947-48 e oferecida à Igreja Matriz de Navegantes pelo rebocador Gaivota (a propósito, ler: As galeras da santa). Feitos os reparos, foi novamente utilizada na noite última terça-feira, 23, durante a procissão motorizada (foto acima). Na quinta-feira, contudo, estava na área coberta onde estão acontecendo as missas da novena e desabou, provavelmente atingida por uma onda de vento, danificando a galera e a imagem da santa.
O fato é que, faltando oito dias para os exatos 50 anos após o fatídico acontecimento, a galera-andor e a imagem que estavam na procissão naquele 3 de fevereiro de 1974 novamente foram envolvidas num acidente. Coincidência.