MEU CARO JOAQUIM

Meu caro Joaquim

Como tenho vinte anos a mais que você, vinte anos de mais história, vinte anos de experiências e lembranças que você ainda não tem, permita-me falar contigo como é chegar a mais vinte anos de idade.

Hoje sei mais coisas que a vinte anos atrás, assim como você ainda não sabe. Não sabia dos futuros perdidos, pelas escolhas impensadas, pelos lados equivocados das calçadas em que, até então, pisava por seguir os imediatismos dos desejos presentes, renunciando aos longos prazos, que no curto prazo sempre adiava, achando que vinte para frente eram extensos, compridos e dilatados, como devem ser os anos de que é feita a eternidade. Mas a eternidade não tem idades, não tem anos e nem faz aniversários.

Porém, vinte anos tem vinte anos, nem um ano a mais ou a menos. Veja você, Joaquim, tens vinte anos a menos do que eu, contudo vinte anos além dos vinte anos que te separam de quando eras menino e rapaz. Eu, na tua idade tinha o dobro da idade do que hoje é uma terça parte de mim. A visão que se tem na juventude é que o horizonte é longe e longo. Dos teus primeiros vinte anos aos vinte anos a mais que tens hoje, observa que já chegastes ao horizonte da meia-idade. Se tiveres um olhar mais aguçado perceberás que o atual horizonte já não é tão longe e longo como antes. O meu horizonte, por exemplo, é o horizonte o mais próximo do que até aqui tive. E já não o vejo assim tão distante, amplo e vasto.

Quando era jovem, assim como você já foi um dia, vivia buscando sofregamente essa tal da felicidade. E quantas noites não dormi frustrado, insatisfeito e infelicitado. A esperança que me amanhecia ao dia, levava o tempo de um dia para se esmorecer ao fundo do escuro noturno do quarto. Creio que já está na hora de você também perceber que a busca da felicidade a qualquer custo é uma busca de nascimento malograda. Está na hora, portanto, de se afastar desse anseio ilusório, e passar a mudar seu enfoque e propósito. Concentre-se em buscar e tentar ser menos infeliz. Garanto-lhe, agora tenho plena consciência disso, que quanto menos infeliz você se sente, mas sensações de alegria, contentamento e tranquilidade você sente. Talvez aquilo que pensávamos ser a dita felicidade, seja apenas isso: uma combinação de alegria, contentamento e tranquilidade, afinal tal aglutinação de afetos nos gera bem-estar subjetivo. Sim, meu caro conhecido, decerto a felicidade não seja um fim em si mesma, porém um efeito derivado. Em outras palavras, consequência de como levamos a vida e como nos sentimos dentro dela.

Creio que foi o escritor alemão Hermann Hesse que disse que a fronteira entre a imaturidade dos jovens e a maturidade dos mais velhos é quando saímos do egoísmo hedônico para realmente começarmos uma vida de mútua intimidade com os outros. E isso, Joaquim, requer de nós renúncias. A chamada busca da felicidade, que acima falávamos, é uma busca de plenitude. Até parece que possa existir alguma felicidade sem nenhum sofrimento. Essa é uma das mais enganosas ilusões humanas: a felicidade sem limite, uma felicidade perfeita. Tem um provérbio de origem chinesa que diz que os nossos desejos são como crianças pequenas: quanto mais lhes cedemos, mais exigentes se tornam.

Preste bem atenção ao que estou a lhe dizer, pois isso determinará em muito os teus próximos vinte anos ou mais. A maturidade humana reside na capacidade de abdicar e renunciar. Como se diz no popular, só quem está disposto a perder é aquele que pode ganhar. O amadurecimento reside na nossa qualidade à renúncia, isto é, abster-se dos nossos desejos onipotentes e anseios de plenitude e completude. É como escreveu Arthur da Távola: eis a felicidade possível: compreender que construir a vida é renunciar a pedaços da felicidade para não renunciar ao sonho da felicidade.

Devo a você Joaquim, tudo que herdei nos anos anteriores de vida. Suas falhas, seus acertos, suas inquietudes quase selvagens, suas revoltas e rebeldias, suas afoitezas destrambelhadas, seu jeito muitas vezes caótico e errático, suas fraquezas e suas coragens, e, principalmente por sua resistência quase estoica, essa sua forte pulsão de vida que soube se contrapor bravamente à sua pulsão de autodestrutividade. Essa sua resiliência, tantas vezes colocada à prova, contribuiu em mim para uma autoestima boa e estável, e uma autoconfiança capaz de aceitar com mais sabedoria às adversidades.

Sei que nascestes e fostes criado para uma vida pacata, segura, consistente e contínua. Contudo, a vida mesma não te quis assim. As amputações no teu sistema retilíneo de constância foram na tua infância e adolescência retirado pelas tuas orfandades precoces. A vida não é assim tão fácil para ninguém, Joaquim, e a sua não foi diferente. É verdade que muita gente se perde nesse caminhar incerto, impreciso e cheio de intercorrências e acidentalidades. Mas tua base familiar, tua educação e tua condição de filho único amado, foram-te suporte sólido para o enfrentar e superar a liquidez da vida e suas vicissitudes. E tudo isso nos levou a estar aqui a conversarmos, no distante dos espaços dos nossos três vinte anos.

Agradeço-lhe, pois, por tudo que você me proporcionou. Podia ser diferente? Podia. Porém, se fosse diferente eu não seria hoje quem sou. E acaso fosse outro, quem seria? Seria melhor ou pior do que sou? Só sei, que gosto de ser quem sou, mesmo que com minhas sequelas e pequenas e significativas neuroses. Afinal, são elas que também me fazem o Joaquim que sou. E antes que você me pergunte como vou, respondo-lhe que vou muito bem obrigado, apesar de. E, como igualmente Clarice Lispector, é o apesar de que me move para frente, pois o apesar de é a fonte mais profunda e criadora da minha própria existência e vida.

Sigas Joaquim. Aprendas ainda o que tiver que aprender. Nunca deixe de ter a curiosidade e a vontade de aprender. Tente sorver tudo que a vida pode te dar, inclusive a sabedoria que advém da dor e do sofrimento. Não percas tempo com futilidades e coisas desnecessárias, embora um pouquinho disse às vezes nos distrai e tem lá o seu valor de escape, e o escapismo faz o desnecessário ser necessário, com moderação, é claro.

Agora, despeço-me de ti, na certeza de que estás indo no caminho certo para nos encontrarmos mais adiante. Estou, neste instante, no aguardo da chegada do carteiro, pois é bem possível que ele me traga uma carta de um outro Joaquim, vinte anos mais velho do que eu. Vamos ver o que ele tem a nos dizer.

Joaquim Cesário de Mello
Enviado por Joaquim Cesário de Mello em 27/01/2024
Reeditado em 02/02/2024
Código do texto: T7985876
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