JORNAL
Há alguns anos, ter o jornal à mesa do café da manhã, era sinal de elevado status social.
Ter a assinatura do jornal mais badalado e leva-lo debaixo do braço para o trabalho, dava ao cidadão a condição de gente fina, instruída e bem informada por ter de antemão o conhecimento das novidades nacionais ou estrangeiras antes que chegassem à boca miúda do populacho ignóbil e deseducado.
Durante a semana, dois cadernos, davam conta de tudo e qualquer coisa que se pretendesse divulgar, entretanto a edição do domingo teria que ter múltiplos cadernos, com assuntos variados e destinados a públicos específicos, infantil, donas de casas, desempregados, intelectuais, dando conta de inaugurações, exposições, programação semanal de cinemas e estações de TV, anúncios para compra e venda, notas de agradecimento, cartas à redação e o obituário de membros das famílias de destaque.
Articulistas que faziam parte do “Segundo Caderno” eram reconhecidamente expoentes nas carreiras jornalística ou acadêmica.
Os recifenses mais antigos devem lembrar que pelas madrugadas do período estival, na pracinha diante do imponente prédio do Diário de Pernambuco, havia grande atividade para a montagem dos jornais e a inclusão de folders ou quaisquer outras propagandas que precisassem de destaque fora do corpo do jornal. Eram os funcionários das distribuidoras para outros Estados, jornaleiros, donos das diversas bancas espalhadas pela cidade e populares à cata de um trocado para o café da manhã no mercado de São José.
O caderno de classificados criou uma fórmula para baratear o preço do anúncio que se determinava considerando o número de palavras/espaço. Quase uma carta enigmática, mas que todos entendiam muito bem, principalmente quando se ofereciam imóveis no Bairro de Boa Viagem que pelo milagre da especulação imobiliária, cresceu mais do que “frieira em pé de nego” sendo considerado desde o pé da ponte do Pina até a Praia de Piedade e da beira mar até o Ibura.
“vdo.ap.nas.sal2amb.3q.var.coz.2ban.compl.ar.serv.dep.emp,pil/elev.
Tradução:
Vendo apartamento, de frente para o nascente, sala para dois ambientes, 3 quartos, varanda, cozinha, dois banheiros completos, área de serviço, dependência para empregada, edifício sobre pilotis com elevador.
A cereja do bolo neste caderno era a seção de telefones por ser objeto de desejo universal tanto para o trabalho como para a ostentação de riqueza e poder econômico vez que figurava entre as posses tributáveis na declaração do imposto de renda.
Ter uma linha, comprada a peso de ouro, da central da Boa Vista era mais que necessária, por abranger o centro econômico da capital numa época em que eram tão poucos que só haviam 5 dígitos nas linhas.
Ainda bem que um iluminado resolveu quebrar o monopólio estatal da telefonia e hoje, segundo dizem, existem duas linhas de telefone para cada habitante. Eu acho um exagero, mas fica a dúvida por não termos registro oficial, confiável e atualizado do número de linhas em funcionamento.
O jornaleiro, andava pelas ruas carregando às costas o imenso volume dos jornais domingueiros, entregava de porta em porta, os exemplares dos assinantes e aos gritos anunciava a sua passagem para que os desafortunados, que só adquiriam os jornais do domingo, também pudessem ter o direito de saber das novidades e depois transforma-lo em “romance de cego”.
Mas o tempo passou.
Os jornalistas atuantes e com boa reputação morreram todos e os seus sucessores perderam a credibilidade por reportagens tendenciosas, mal escritas, com palavras dúbias e cheias de erros gramaticais.
Os grandes jornais fecharam as portas e o mercado da comunicação foi dominado pelas redes sociais via celular.
Os jornais com tradição nacional e que ainda resistem ao desgaste, cujas edições em priscas eras alcançavam tiragens de 500 mil exemplares, hoje não chegam aos míseros dez por cento da marca anterior nem mesmo nas edições on-line.
As únicas vantagens dessa transformação é que não precisamos mais importar o papel do Canadá e os vendedores de peixes e outros frutos do mar passaram a embrulhar as mercadorias com sacos plásticos.
CITAÇÕES
- Número de linhas telefônicas - A publicação de maio/19 informa em atividade: fixas; 29,31 milhões; móveis 228,64 milhões = total 257,95 milhões de linhas ativas. 1,22 de linha telefônica para cada um dos 211 milhões de habitantes.
- A partir de 1983 os telefones do Recife passaram a ter 6 dígitos.
- Romance de cego = apelido de papel higiênico