Sujeira nos dentes
Dois velhos conhecidos encontram-se e trocam saberes sobre a vida.
- Outro dia falamos daquele Marco, o da ingratidão e inveja, lembra-se? Pois reencontrei uma professora que desenvolveu nojo por ele. E não sem razão, o que é pior. Até hoje são inimigos.
- Eu conheci o tipo e tive antipatia à primeira vista. Mas nojo? Por quê? Ele tem algum hábito, digamos, pouco ortodoxo?
- Essa professora não aceitava que um professor-doutor não tivesse um mínimo de consciência de si. Para ela, como ele pode querer ensinar algo a alguém se ele nada ensina a si mesmo?
- Mas o que ele não conseguia aprender?
- Ele tinha o hábito de ir a reuniões com os dentes sujos de massa de bolacha. Quando ele abria a boca, a cena era constrangedora e, o pior, ninguém tinha coragem de alertá-lo.
- Bem, qualquer criança minimamente educada sabe que certos alimentos deixam camadas de resíduos nos dentes. Como ele não aprendeu isso?
- Mas, espere. Há mais. Ele cheirava a suor. Cheiro forte, de coisa azeda. Esse fedor e a visão dos dentes sujos impossibilitava qualquer acordo nas reuniões.
- Ele não tomava banho? Ou não trocava a camisa? Mas que horror! Eu o chamaria e diria que escovasse os dentes e usasse desodorante.
- A professora achava que ele não tomava banho, não trocava de camisa nem usava desodorante. Era jovem, no início dos 40, casado e com filhos pequenos. Nós não entendíamos como a esposa o deixava sair de casa naquele estado.
- E você não conversou com ele? Alguém tinha de alertá-lo. Se não for por caridade, tem de ser por higiene, saúde pública ou sei lá o quê.
- Eu ia fazê-lo, mas a professora antecipou-se. Disse a ele que ela não aguentava mais falar com ele e ver aqueles dentes sujos. E que ele deveria usar desodorante, pois ele fedia a suor. E tomar banho e lavar os cabelos.
- E ele deve ter odiado essa professora, já que é incapaz de sentir gratidão.