Velas coloridas para o ano novo

Este foi um ano delicado. Provações, surpresas desagradáveis e dificuldades em meio a outros dias melhores, porém numa proporção um pouco mais desfavorável do que normalmente acontece de ser a vida no geral. Mas o fim de ano particularmente cansativo me desestimulou a fazer grandes festas, arrumar a casa com as melhores toalhas e louças, passar horas na cozinha, recepcionar amigos como sempre faço. Uma letargia incomum se abateu sobre meu corpo combalido por poucas horas de sono, por um ritmo alucinado de trabalho e outras pequenas mazelas que, somadas, minaram minha energia por completo... Assim, decidi: este ano, nada de festas. Ficaremos aqui, na intimidade, comendo frugalmente; após a entrada do novo ano, que brindaremos com um refrigerante gelado (o calor anda insuportável!), quem sabe poderemos ir a algum lugar alto, ver os fogos de artifício...

Acordei muito tarde neste dia último dia do ano, que amanheceu sob um sol mais claro que o normal. Dormi o sono dos anjos e dos justos ao mesmo tempo, e, descansada e deslumbrada com a quantidade de pássaros que fazia algazarra em meu quintal nessa manhã luminosa, passei a repensar meu reveillon. E, num repente, me pego indo ao supermercado para comprar e preparar uma saladinha verde, que pede a presença de um sanduichão gelado, mais uma carne assada e um arroz branco básico, que se coordenam perfeitamente a um pavê de chocolate... e, claro, champanhe na geladeira.

E é como mágica que as velas coloridas, que me ponho a arrumar todas juntas num cachepô para que sejam acesas na passagem do ano, acendem também a esperança teimosa que insiste em me acompanhar. Por que às vezes o cansaço me desanima, se eu sei que minha natureza é de festa e alegria? Olho para as velas - paz, tranqüilidade, esperança, paixão e fartura – e me vejo pintando a casa, arrumando as gavetas, reiniciando um projeto esquecido, ligando para todos aqueles a quem amo. E, enquanto estes planos passam à frente de meus olhos, pego o telefone e ao mesmo tempo vou separando a melhor louça, arrumando a melhor toalha, colocando essências espalhadas pela casa. Eu sei que meus amigos não se farão de rogados, e ainda bem.

Queria tentar entender este mecanismo de renascimento que se desenvolve em mim, ainda que tudo colabore para o contrário. Se é essa minha natureza, devo aprender a não lutar contra, e, pelo contrário, usá-la em meu favor e em favor daqueles a quem amo. Não adianta, os inícios são sem dúvida mágicos, e nos impelem para a esperança sem restrições. Sim, creio verdadeiramente, e ingenuamente como uma criança, que o ano que vem será melhor, ainda que saiba que o ano que vem é apenas uma convenção – o tempo é uma mera sucessão de dias, uns iguais aos outros; o galo de um rincão perdido no meio do nada cantará da mesma forma, saudando mais um dia, sem a consciência da data, sem a convenção dos limites. Mas a mágica dessa convenção é inundar-nos de esperança, para que sigamos brilhando, sigamos sorrindo, sigamos vivendo... para que, simplesmente, sigamos.

Desejo a todos os colegas recantistas, amigos, leitores e seres humanos que a mágica da esperança inunde a todos e que o ano que convencionou-se começar hoje, a partir da meia noite, traga junto a força do recomeço, sempre. Porque talvez a esperança seja o sentido maior da vida.