Zero absoluto
Eu ia começar dizendo que sou frio, que na verdade, eu sou uma coisa rara e difícil, do tipo que se encasula e morre dentro de si, mas aí lembrei que isso é um pouco mentira.
Essa ensimesmação é um medo agudo, pequeno e fino, (tipo das agulhas de injeção que sempre me assustaram), medo de ser quente demais, de ser o frio que é tanto, que acaba queimando de ferver por dentro pelo outro. Sem parar. Tipo quando colocamos gelo na ferida, mas aí arde. Cortei o dedo esses dias, lavando louça. Drama.
Esse zero absoluto, esse estado de energia pouca, apatia, insípido-mundo, é das táticas que me garante sofrer bem aos poucos. Ontem me espantei comigo. Ando tão falível, a flor da pele (como é aquela música?), que chorei com dragões, os daquela animação da DreamWorks. Em certa hora, o Dragão-Macho, tenta meio bobalhão, chamar atenção da femêa, chamar atenção fazendo jus ao seu arquétipo, de um jeito bem idiota. Achei lindo. Por esse motivo venho correndo contra qualquer coisa minimamente sugestiva, amorosa. Mando embora as novelas, comédias românticas, ou qualquer print bonitinho daquela trilogia de filmes do Richard Linklater.
Tento, a força, ser o 0 absoluto.
Lembrei minha irmã. Certa vez, éramos ainda mais jovens que hoje, ela dizendo que não aguentava mais um dos namoradinhos. Ela, que sempre fez tudo mais cedo, aproveitou tudo mais cedo. Diferente de mim, que tinha medo sempre demais, queria sentir as coisas demais, e acabava por fazer nada demais. Ela não, ela sempre foi voo. Na ocasião, chegou dizendo que ia terminar com o namorado, os dois iam bem, mas ele era muito meloso, de grudar, querer abraço.
Lembro até hoje de achar muito curioso ela terminar por isso, por ele ser carinho muito, de sufocar.
Já chorei além hoje, por outros motivos, e nunca vem nada só uma coisa por vez. A despedida. A culpa. O desejo. A mulher terrível, fatal. O tempo. São coisas amalgamantes, infinitas, que se assimilam de uma vez, atacam longe que nem as agulhasfóbias que disse antes. Ouvi falar que hipnose é bom. Hipnose cura as coisas. Mas e se eu não tiver cura?
Sempre lidei bem com os "Nãos” vários da medicina, mas eu quero dizer; e se eu, como forma de vida, cheguei num limiar escuro, caleidoscópio, difícil de saber na autoconsciência, difícil até de sair? Sinto medo por mim.
Me sonho a vida em morte, sou o duplo de “Eros e Psique”, o “Processo divino que faz existir a estrada”
Vivo, mas só pra ter sobre o que escrever.