"O Bandido da Luz Vermelha" e o "Mundo Cão"
O filme "O Bandido da Luz Vermelha," de Rogério Sganzerla, é um grande clássico do movimento paulista denominado "Boca do Lixo." Essas produções de baixo orçamento retratavam temas realistas e populares, dando voz ao chamado "mundo cão." "Mundo cão" é uma expressão usada para descrever situações difíceis, caóticas ou perigosas, baseada no filme/documentário homônimo italiano que mostrava diversas cenas impactantes. Algumas pessoas consideram essa produção cult, enquanto outros a veem como divulgação exagerada de imagens fortes gratuitamente, sem nenhum sentido ou significado.
No Brasil, esse termo está muito associado ao programa da década de 60 de Jacinto Figueira Junior, o "Homem do Sapato Branco," precursor do jornalismo sensacionalista.
Seu programa, inicialmente transmitido pela Cultura, abordava flagrantes de adultério, batidas policiais em estabelecimentos clandestinos, entrevistas com médiuns que juravam ser capazes de conversar com mortos e outras atrocidades.
Poucas pessoas sabem, mas o programa do "Homem do Sapato Branco" passava inicialmente na Cultura, que, na época, estava longe de ser essa emissora mais educativa. Para ter uma ideia, uma das maiores audiências do canal foi a transmissão ao vivo de um transplante de córnea de uma garota que estava sem visão no início da década de 60. Posteriormente, a emissora pegou o filão das transmissões de cirurgia ao vivo que contavam com massiva audiência.
Outra das atrações do programa de Jacinto mostrava um médium que dizia ser capaz de incorporar o espírito do lendário Dr. Alemão Dr. Fritz, e o programa exibia as operações do falso dr. e comparava com a de doutores renomados. E fazia um baita sucesso. Eram outros tempos mesmo, mas nem tanto. Com origem naquela época, depois surgiram apresentadores como Alborguetti, Ratinho, Datena, Sikêra Jr., todos surfando no jornalismo sensacionalista, ofertando à população de camada mais humilde sua dose diária de tragédia, inspirada no mundo cão.
O "Bandido da Luz Vermelha" é um meliante inspirado na história de João Acácio Pereira da Costa, conhecido como o Bandido da Luz Vermelha, um criminoso que aterrorizou São Paulo na década de 1960. A trama, interpretada por Paulo Villaça, segue o personagem que se autodenomina o "Bandido da Luz Vermelha" devido ao uso de uma lanterna vermelha durante seus assaltos. A narrativa desenrola-se em uma atmosfera surreal e expressionista, incorporando elementos de crítica social, surrealismo e experimentalismo cinematográfico. É um grande marco do cinema "Boca de Lixo," abrangendo as décadas de 60 a 70.
Não deve ser confundido com os cinemas “ XXX” que exibiam filmes pornográficos no centro de São Paulo, assim como aqueles que o personagem Travis Bickle, totalmente sem noção, leva sua namorada a um encontro ‘amoroso’ em Taxi Driver. Ele está mais associado a pornochanchadas, filmes de horror e de ação.
É incrível acreditar que a censura da ditadura, tão relacionada ao conservadorismo e bons costumes, não falava nada contra essas produções. Mas até a utilizavam para ser um ópio do povo. No entanto, se havia alguma mensagem política, era cana e perseguição na certa. É bom notar que a obra de Sganzerla é de 68, mesmo ano que foi decretado o AI-5, que representou um dos momentos mais repressivos do período. Sob o AI-5, foram suspensas garantias constitucionais, como habeas corpus, e houve aumento da censura, perseguição política, torturas e prisões arbitrárias.
Por isso, sob esse contexto, uma obra com claras críticas sociais como o "Bandido da Luz Vermelha," mas com o verniz de entretenimento leve para massas, pode ser considerada subversiva e revolucionária.
Os toques experimentais de Sganzerla emprestam à obra um quê de "Acossado," obra-prima de Godard da Nouvelle Vague anos depois. Por isso, esse filme é reconhecidamente como uma obra cult, mesmo retratando o dito "mundo cão."