Entre Sem Bater - O Medo e o Desespero

Stephen King disse:

"... Ainda assim... vamos falar sobre o medo. Não levantaremos a voz e não gritaremos; conversaremos racionalmente, você e eu... "(1)

Com toda a certeza, sem medo de errar, não sou fã de Stephen King, notadamente das suas obras nos gêneros terror e ficção sobrenatural. Entretanto, devemos reconhecer que muitas de suas histórias deixaram de ser terror e ficção e escancaram para todos nós o medo da vida real. Desde que passamos a refletir sobre frases e palavras, o que cada uma significa, apresenta perspectivas diferentes.

O MEDO

A princípio, o medo, a incerteza, a dúvida (FUD(*) para os íntimos) e outros sentimentos, são semelhantes e provocam muita confusão. E, como se não bastasse, as comunicações instantâneas, em altíssima velocidade, podem nos levar a equívocos inomináveis. Por exemplo, quando conversamos com uma pessoa ela diz: - Estou com medo! nossas reações variam de acordo com o que nós conceituamos como medo.

Surpreendentemente, se buscarmos um dicionário, a confusão que o rumo da conversa pode tomar é um mistério. É provável que com esta pequena explicação seja possível dimensionar os riscos que estão presentes nas comunicações das redes sociais. Por outro lado, não sei se para piorar ou melhorar, aparecem os emoticons e outros símbolos.

O assustador é que, mesmo com um dicionário acessível a cada pessoa, preferimos sofrer com uma má interpretação. Oscar Wilde disse, no século passado, que: "... vivo com medo de ser mal interpretado(2) ...", imaginem como ele faria hoje.

Desse modo, é necessário um equilíbrio até conversas e pequenos textos, ou ficamos loucos com a cornucópia de sentimentos que podem surgir.

DICIONÁRIOS

Se tomarmos, a princípio, apenas as palavras desespero, dúvida, incerteza e medo (ordem alfabética), e seus significados a coisa se complica. Senão vejamos, quais os conceitos que surgirão numa conversa onde uma pessoa tem medo e a outra está em desespero? Considerando os sinônimos e antônimos, sem entrarmos nos detalhes das acepções, certamente, temos:

Desespero

Sinônimos: estertor, anseio, ansiedade, sofreguidão, vasca, ânsia, cólera, raiva, desalento, desesperança, desesperação.

Antônimos: esperança.

Dúvida

Sinônimos: incerteza, ceticismo, indecisão, hesitação, insegurança, ambiguidade, descrença, suspeita, problema, pergunta, objeção.

Antônimos: certeza, convicção.

Incerteza

Sinônimos: hesitação, indecisão, dúvida, imprecisão.

Antônimos: evidência, certeza.

Medo

Sinônimos: covardia, fraqueza, pavor, pusilanimidade, pânico, susto, temor, terror, fobia.

Antônimos: bravura, coragem, calma, despreocupação.

Desse modo, dá muito medo de entrar em qualquer conversa (nem precisa ser debate) sem termos ao menos uma ideia dos conceitos de nossos interlocutores.

A DÚVIDA E A INCERTEZA

É provável que nenhum filósofo saiba desde quando o medo, enquanto emoção humana, nos acompanha. Certamente, é uma de suas acepções mais amenas (temor) ele nos alerta para os perigos e as ameaças do dia a dia. Raramente, este sentimento se coloca na condição de nos motivar na superação de obstáculos.

E é assim que os filósofos estoicos colocam pensamentos, como prefiro Sêneca, algumas frases dele sugerem grandes reflexões.

"Aquele que teme a morte tem sempre escravizado a si mesmo pela covardia, mesmo que nunca tenha visto um inimigo."

"O medo é o mais ignorante, o mais injurioso de todos os conselheiros."

"Não há nada de grande em quem se entrega ao medo."

Sêneca

Por isso, acredito que o melhor antônimo para todos estes temores, receios e insegurança é a esperança, com realismo.

TEMPOS DE CRISE

Em tempos de crise, como os que vivemos atualmente, o medo se torna ainda mais presente e palpável. A pandemia, a violência, a instabilidade política, a desigualdade social, a mudança climática, a desinformação, a intolerância, a polarização. São tantos os motivos para temer, que às vezes nos sentimos impotentes, desesperados, desesperançados.

Contudo, o medo também nos paralisa, provocando a angústia e privilegiando o isolamento, um comportamento comum nestes tempos. Por isso, na maioria das situações, o medo é irracional, desproporcional completamente com pouca fundamentação. Inquestionavelmente, nestes tempos estranhos, de crises e tretas instantâneas, o medo advém da manipulação, em suas várias facetas.

INDECISÃO

Neste contexto de muitas mudanças e transformações que as tecnologias provocam, ficam muitas incertezas e dúvidas, e bate aquele desespero.

Devemos falar sobre o medo nesses tempos de crise, confusão mental e destruição da verdade(3)?

Podemos expressar o que sentimos, pensamos e queremos, sem sofrermos julgamentos e ataques?

Como dialogar com quem pensa diferente ou com quem tem medos diferentes e vive noutros mundos?

O TERROR

Stephen King, o mestre do terror, nos propõe uma forma de falar sobre o medo:

"Ainda assim… vamos falar sobre o medo. Não levantaremos a voz e não gritaremos; conversaremos racionalmente, você e

eu. Falaremos sobre como a boa estrutura das coisas às vezes tem um jeito de se desfazer com uma rapidez chocante…"

Livro "Night Shift" (1978)

Surpreendentemente, essa frase parece ser da autoria de alguém que frequenta os grupos em redes sociais atuais. Contudo, mesmo que a sua criação tenha mais de 40 anos, quando nem existia a Internet como hoje, sua validade e aplicação impressionam.

O convite para uma conversa franca, respeitosa, honesta, sobre o que nos assusta, nos incomoda e nos aflige, é factual. A frase nos lembra que o medo é uma experiência comum, mas também singular, que depende de vários fatores. A nossa história, nossa cultura e até personalidade determinam qual das acepções queremos utilizar. Em outras palavras, a frase aponta que o medo é o ponto de partida, e não um ponto final. Para a nossa compreensão do mundo e de nós mesmos, sem dúvida, a troca de ideias e o contraditório são essenciais.

Por outro lado, é impossível a aplicação de uma simples proposta, como a de King nos terríveis momentos atuais. As conversas são, quase sempre, em grupos de mensagens instantâneas e através de áudios, sem direito a reflexão. Atualmente, é impossível falar sobre o medo sem ter rótulos e conceituações diversas de nossos interlocutores.

Enfim, um terror que parece não ter solução, todos têm pressa, todos não gostam de ler além de 280 caracteres. E, como se não bastasse, os intolerantes e donos da razão nem escutam qualquer áudio com mais do que um minuto. Imagens e dancinhas de 15 ou 30 segundos ganham milhões de compartilhamentos em segundos, reflexão de um minuto, nem pensar.

PAUSA PARA REFLEXÃO

Meu desespero, que não se confunde com o medo, em nenhuma das acepções, é meu anseio se transformar em raiva(4).

As respostas ou encaminhamentos para a simples questão de dialogar em igualdade de concepções não é simples, nem única. Entretanto, talvez possamos seguir com as conversas, se conseguirmos ter paciência e reciprocidade.

Destarte, alguns comportamentos são interessantes, embora tenham restrições nas redes sociais, onde impera a intolerância.

– Tentemos compreender o que o outro está dizendo, sem interromper, distorcer, preconceber ou desqualificar.

– Busquemos esclarecer as dúvidas, divergências e discordâncias, sem presumir, ofender ou agredir.

– Devemos pensar sobre o que vamos dizer, como vamos dizer e por que vamos dizer, sem mentir, exagerar ou provocar.

– E, mais importante, reconhecer o valor da troca e da aprendizagem, sem ironizar, desdenhar ou ignorar.

Com toda a certeza, cada pessoa que leu o texto até aqui, se refletiu a cada frase ou parágrafo, tem uma avaliação instantânea deste autor. Contudo, o importante são as ideias e, certamente, não consigo fazer tudo isso e nem o que propõe Stephen King, o tempo todo.

Falar sobre o medo não é fácil, mas é necessário. Este texto teve a sua idealização e produção graças a tudo que aqui está descrito, e iniciou-se numa conversa instantânea. O medo, a incerteza, a dúvida e o desespero são muito diferentes, entretanto, cada um determina o grau do próprio sentimento.

"Amanhã tem mais ..."

P. S.

(*) FUD (acrônimo do inglês, Fear, Uncertainty and Doubt, em português é medo, incerteza e dúvida).

(1) "Entre sem bater - Stephen King - O Medo e o Desespero" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/01/23/entre-sem-bater-stephen-king-o-medo/

(2) "Entre sem bater - Oscar Wilde - Mal Interpretado"

(3) "Entre sem bater - Bill Clinton - Destruição da Verdade"

(4) "Raiva - Um nobre sentimento"