Ferroada de marimbondo
Minúsculos, mas temidos. O conselho era não mexer com eles, passar longe. Quem diz que dávamos conta de manter distância? As tretas eram constantes. Desconfio que eles saíam perdendo, mas as baixas do nosso lado eram frequentes e doloridas.
Quantos tipos de marimbondos existem? Por que eles mordem? Queríamos saber. “Mordem, não, picam! Marimbondos não têm dentes”, dizia meu avô, corrigindo nossas noções capengas sobre a biologia desses valentes insetos. Sim, valentes por ousarem enfrentar animais muito maiores e armados de paus e pedras, isto é, nós, crianças dispostas a jogar pedras e correr, embora, inevitavelmente, alguém na retaguarda fosse ferroado.
As suas caixas nos intrigavam: diferentes arquiteturas, tamanhos e formatos. Como cabiam tantos bichinhos numa caixa que mais parecia de papel? O que eles comiam? Eram rápidos e eficientes na construção de seu lar tão visado. Tão ligeiros como as pedradas dirigidas a eles para destruir sua frágil casinha. Uma briga desnecessária e desigual.
O problema, para nós, é que eles tinham predileção por construir perto da gente, nas varandas, nos beirais de telhados, nos peitoris e em outros vãos de portas e janelas. Quando percebíamos, a caixa já estava lá, pendurada no alto. E eles, vigilantes, atentos, num movimento de entra e sai incessante. Eram trabalhadores, isso conta a favor deles.
Dependendo do lugar, as pedradas eram proibidas, poderiam quebrar vidraças, estragar alguma coisa. Uma solução era aguardar que, à noite, alguém mais destemido fosse buscar a caixa com eles dentro para jogar bem longe. Outra solução, extrema, era colocar fogo. Com ajuda de uma vara longa de bambu, fazia-se uma bucha de palha, galhos, às vezes panos velhos embebidos em gasolina, e ateávamos fogo na casa deles. O dano maior era na pintura da nossa casa: uma mancha escura indicava que ali existira uma colônia de marimbondos, expulsos por ousarem se aproximar demais de nós, por nos ameaçarem com ferroadas ardidas.
Meu avô não gostava que saíssemos por aí atirando pedras em caixas de marimbondo. Alguns diziam que eles atraíam dinheiro, boa sorte, melhor não mexer com eles. Afirmações duvidosas, crendices. Minha mãe tinha dó dos bichinhos, mas éramos alérgicos ao seu veneno. Bastava uma picada para arder muito e inchar por uns dois ou três dias. O pior era quando a parte afetada era o rosto. Tínhamos uma boa desculpa para não ir à escola. Mas era inútil, íamos com o rosto inchado, envergonhados. Virávamos motivo de gozação. Sentíamos mais raiva desses insetos.
Bobagem tentar extrair lições de moral e fazer comparações com as guerras e conflitos humanos. Nunca estivemos em guerra contra esses insetos dotados de ferrões, era puro desconhecimento, falta do que fazer, ignorância ecológica. As guerras são fenômenos sociais e políticos e devem ser entendidas a partir da análise da sociedade de classes e dos interesses econômicos. Quanto aos marimbondos, melhor deixá-los em paz.