SAUDADE.
Se temos o tempo passando, se vemos seu preenchimento escoando, se nada podemos fazer, temos também o sentimento que apaga o tempo, esmaga o tempo, faz diluir sua voracidade implacável; a saudade.
Saudade é memória, refaz, reedifica, mostra por nova construção a imagem do que se foi e não volta, não volta, mas pode ser visitada abrindo-se as portas do tempo, fazendo cessar os vestígios da ausência de visão que o sonho da saudade gera, o renascer, o parto da vontade de ver e viver de novo o que o tempo engoliu.
Assim me vejo levantando cedo em Nova Friburgo, menino de dez anos, 5,30 da manhã, meu pai despertando o sol para tomar o café da manhã nos bares que se abriam, pois o hotel tardava para quem, como ele, acordava as madrugadas, e queria a minha companhia.
Me colocava com roupas apropriadas para o frio. Ele, criado em colégios internos dos Salesianos, tomava banho frio onde estivesse.
E saíamos a buscar o bar de costume, eu aprisionado pelas roupas de frio e ele de camisa de manga levíssima, a sorrir, feliz por estar em clima ameno.
Dalí íamos ver os trens chegando na estação, paixão de meu pai.
Quando andei de TGV ( train grand vitesse, trem de grande velocidade) pela primeira vez, levava meu pai comigo, sei que ele estava comigo, surpreso por ver um trem andar a 300 kms por hora, nós que andávamos de Maria Fumaça.
Meu pai, meu herói, minha bandeira de honra e valor, respeitado, reverenciado por sua imensa cultura e dons, calando multidões quando falava, de improviso, em qualquer lugar e hora, e dizia aos outros, me apontando, “quando ele está comigo em algum lugar que vou falar ele se mostra nervoso, fica a me olhar apreensivo”.
Ficava sim a esperar sua voz sonante a criar maravilhosas imagens que brotavam de seu cérebro alimentadas pelo seu coração de igualdade com o ser humano e simplicidade, imensa humildade e simplicidade, ainda que fosse quem era, maximamente respeitado por todos de maneira invulgar.
Certa vez, eu já rapaz, ele falava em local onde recebia título por serviços públicos prestados, quando ao término alguns amigos dele se aproximaram e se dirigiram a mim dizendo “viu como é seu pai discursando, você precisa ser igual a ele”, e ele falou me deixando boquiaberto, já que era difícil de tecer considerações: “ele se quiser será melhor do que eu”.
Até hoje quando se fala em seu nome há um silêncio de respeito reverencial seguido de incontáveis adjetivos elogiosos.
É um orgulho permanente ter um pai que foi “Ministério de Exemplos”, embora a adolescência afastasse o jovem da maturidade de um homem forrado de sabedoria e vitórias sofridas e suadas.
Nunca estive longe dele, em momento algum e, sei, ele está sempre ao meu lado, e a saudade não deixa o tempo passar.