A jovem
Quase ninguém na pequena cidade usa, exceto um ou outro velho ou velhinho, e geralmente por recomendação médica. A alegação geral é quase sempre a mesma: não é mais obrigatório. Na contramão, facilmente avistável, há essa jovem facilmente identificável em meio ao trânsito, às vezes flanando nas calçadas, comumente vista na fila da lotérica, na do supermercado, na do pão... Sempre de máscara. Sempre de máscara. Sempre de máscara.
Essa peculiaridade tem chamado a atenção do povo que se senta às calçadas, às tardes calorosas, para comentar miudezas, e da população em geral. Todos, na pequena cidade, afora o senhor leiteiro, são da opinião de que se trata de uma jovem esquisita.
Esquisita e paranoica, a maioria já decidiu.
Há quem a julgue terminantemente doente da cabeça; há quem se envergonhe em andar a seu lado, em estar a seu lado; há quem a olhe demorada e desdenhosamente; e há essa jovem, sempre de máscara, sempre de máscara, sempre de máscara, deixando todos, com exceção do senhor leiteiro, muito incomodados, causando mal-estares coletivos, sendo diariamente notícia municipal.
Deve-se salientar que, com exceção do senhor leiteiro, ninguém teve coragem oficialmente de perguntar o porquê da Jovem. O leiteiro perguntou, a jovem respondeu, e os 99% da população da pequena cidade prefere imaginar.
Há quem diga, a maioria, que a jovem é mesmo paranoica; o restante dos munícipes, com exceção do senhor leiteiro, a julga apenas esquisita. Esquisita porque vai completar 40 anos e ainda não casou; não tem filhos (no plural mesmo), apesar de ter quase 40 anos; ser uma grã fã de animes, apesar de ter quase 40 anos; não beber nem fumar, apesar de ter quase 40 anos; quando anda na rua e avista uma placa numérica, verifica mentalmente se aquele número é divisível por três, apesar de não ser matemática muito menos catedrática.
A essa jovem, de quase 40 anos, sempre de máscara, um menino desmascarado, na fila do pão, lhe perguntou se ela poderia lhe emprestar a máscara. A jovem, para surpresa de todos, respondeu suavemente ao pequeno, "Não". O pequeno, já diminuto, diminuiu um pouco mais, olhou candidamente para a jovem... Todos esperávamos que fosse chorar... Mas aconteceu o improvável: o pequeno ergueu os ombros, fixou o olhar no olhar da jovem, e todos, inclusive a jovem, o admiramos muito a metamorfose.