Sobrevivamos
Primeiro conheci a Luana, mas já conhecia o Paulo. Ficou confuso, né? Explico: do casal, primeiro conheci a Luana, mas, individualmente, o Paulo já era dos meus confirmados antes, como se diz lá no serviço - éramos colegas. Bom, isso esclarecido, vamos à crônica.
Minha colega Mary, certo dia, mostrou-me algo em seu celular:
- Olha, João, o Paulinho tá de namorada. Tá no Face dele.
Olhei, achei legal, passou o tempo.
Em outubro de 2022, durante o VIIIº Sarau Literário de Charqueadas, estávamos eu e minha esposa no teatro do CEU Jorge Afre, no Bairro Sul América, durante uma das atividades noturnas do evento. A Luana também, nova no grupo, atriz e escritora, muito talentosa e inteligente. Ao fim da noite, recém morando na cidade, tava meio perdida e oferecemos uma carona de táxi pra a Vila Otília, onde residia. Durante o trajeto, conversa vai e vem, disse onde seu marido trabalhava, então deduzi que era meu colega e perguntei seu nome. "O nome dele é Paulo". "Ah, lá tens uns oito paulos". "Paulo Peixoto". "Ah, o Paulinho, claro que conheço". Assim conheci pessoalmente a namorada do Paulinho que a Mary me mostrara.
Tirávamos plantões juntos, conversávamos sobre religião, emprestava-me uns livros bem legais a respeito e comprava echarpes e camisetas que ele trazia de suas viagens à Israel. Aliás, adorava aviões e voar, paixão que compartilhava com seu filho, do qual seguido falava com muito orgulho por o mesmo estar estudando para se tornar piloto. Depois que conheci a Luana, falávamos sobre ela, estava muito feliz com esse relacionamento. Certa feita dei uma carona de táxi pra ele na largada do plantão, que pediu pra ficar perto do Desco, na faixa.
- Ué, cara, não quer que eu te largue casa? Não te preocupa, não vou te cobrar.
- Não - sorriu -, quero ir no mercado pra fazer uma presença pra Luana.
E assim foi, sempre falava de um quando encontrava o outro, mas nunca nos reunimos. Não por culpa da Luana, que naquela vez do Sarau nos convidou para combinarmos algo, marcarmos alguma coisa. E assim a correria do tempo e da vida foi passando e, estando em casa numa noite de outubro ano passado, ouvi o toque o celular e fui conferir. Era a Mary pelo Messenger: "João, nosso colega Paulo acabou de falecer." "Qual Paulo, Mary?" "O Paulinho Peixoto." "Como assim? Não pode ser." "Acabou de acontecer. Passou mal em casa. Os colegas foram pra lá." Fiquei chocado e muito triste com a notícia. Dia 12 fez três meses...
"Que baita merda isso, Deus do Céu" - pensei. Um cara novo, bem empregado, com um filho jovem e que estava de boa com uma guria tri, que tragédia. A empatia a gente sente tanto pelo sentimento da perda de alguém próximo quanto se colocando no lugar do outro: "Imagina, se eu tivesse morrido nos braços da minha esposa com essa idade, com minha filha recém iniciando na vida adulta?" "Ou se minha esposa tivesse morrido?"
Um outro colega, durante a pandemia, perdeu os pais para a covid, um atrás do outro, no espaço de dois dias. Claro que me coloquei no lugar dele pra imaginar a dor que sentia, pois meus pais eram idosos e estavam isolados em casa. E não é que logo depois aconteceu comigo? Meus pais se foram num período de quase quatro meses um do outro, em 2021, por complicações da diabetes e câncer. A própria Mary passou por isso recentemente, com sua mãe. Ninguém tá livre. O azar do Paulinho e da Luana, bah, isso é uma coisa que lamento profundamente.
Ele, agora, é mais um avião no céu. Ela continua participando do Sarau, apareceu por lá nas atividades desse ano. Segue em frente. Viver é sobreviver. Comprei um livro seu que inda não li - ela escreve muito bem. Em abril vamos debater uma de suas publicações infantis no Clube do Livro. A vida é um rio que corre para o mar, inexorável - é um lugar comum, mas é também uma verdade. Sobrevivamos.
Uma boa semana para todos. Cuidem-se, vacinem-se, vivam e fiquem com Deus.