Cópia Fiel - A importância da “pirataria” na arte.

Um amigo meu foi assistir nos cinemas "Segredos de um Escândalo", filme do mesmo diretor de "Carol", que resenhei recentemente. Ele disse que eu iria gostar, que é típico dos filmes que escrevo no meu site (aqui). Isso me faz questionar: qual é o tipo de filme que eu escrevo? Bom, vou responder com mais uma resenha, desta vez, sobre o filme "Cópia Fiel", de Abbas Kiarostami.

 

Se você já se questionou sobre o meu processo criativo para as resenhas (duvido muito), eu respondo: alguns filmes eu vou escrevendo conforme assisto, outros, como é o caso de "Cópia Fiel", assisto inteiro e depois escrevo o que retive do filme.

 

Este longa de 2011 de Kiarostami traz Juliette Binoche na pele de Elle, uma dona de galeria francesa que agora reside na Toscana, atuação que lhe garantiu o prêmio de Melhor Atriz em Cannes. De maneira compreensível, uma vez que nesse filme ela teve que atuar em italiano, francês e inglês, em todos os idiomas com maestria.

 

Em uma ocasião, Elle participa de uma palestra do escritor e intelectual britânico, James Miller, sobre seu mais novo livro chamado “Cópia Fiel”. Na palestra, são abordados assuntos interessantes como a importância da cópia no mundo da arte. O argumento utilizado é que a cópia permite que aqueles que não têm acesso às obras originais possam conhecê-las. Ele também sugere que a cópia de uma obra de arte pode ser tão válida quanto a original, levantando dúvidas sobre o que torna uma obra “verdadeira” ou “falsa”. Discorre que nenhuma obra é 100% original, pois sempre é baseada em outra produção de arte, até mesmo a Monalisa. E eu trago essa discussão para o nosso mundo real: quantos CDs ou DVDs piratas (cópias) de videogame eu comprei por não ter acesso aos originais? E que mulher nunca usou uma bijuteria por não ter a original? E o que dizer das proliferações de copias de bolsas Chanel no mercado? E outras roupas de grife copiadas em modelos mais acessíveis? Eis a importância da cópia no dia a dia.

 

No decorrer do filme, é exposto o caso de uma obra de arte, uma pintura, que era tão bem feita, mas tão bem feita, que passou por original durante séculos até descobrirem que se tratava de uma cópia.

 

De volta à história, após a palestra, Elle convida o escritor/filósofo para dar uma volta pela Toscana de carro. Ele aceita sob a condição de estar de volta até as 9h.

 

Enquanto isso, discutem sobre a importância de autenticidade e originalidade na produção artística. No entanto, lá pelo meio do filme, tudo fica muito ambíguo, pois o escritor parece ter acesso a momentos muito pessoais da vida da protagonista, dando conselhos sobre a criação dos filhos e citando passagens que só Elle poderia ter conhecimento. Seria coincidência? As coisas ficam mais estranhas quando estão em um café, e a atendente acha que os dois são casados. Mas, ao invés de Elle desmentir, falar que acabaram de se conhecer, ela estranhamente reforça que estão casados há 15 anos. Depois disso, os dois realmente passam a agir como se fossem casados, ou copiando a relação de duas pessoas casadas. Inclusive, passam por uma igreja onde dizem que foi lá que se casaram há 15 anos. Elle trata o escritor como se de fato fosse o marido dela, e o mais estranho é que ele se refere ao filho dela como sendo deles. Tudo muito estranho, certamente. Em nenhum momento do filme temos a certeza qual é o status do relacionamento entre os dois. Só no final, chegam a um hotel, onde Elle diz que foi onde passaram a lua de mel há 15 anos. Lá dentro, ela rememora todos os momentos que passaram juntos e pergunta ao escritor se ele não pode ficar mais um tempo. Mas ele responde que não, que tem que ir embora às 9h. Os créditos sobem, deixando-nos com todas as nossas interrogações.

 

Achei este longa do diretor iraniano muito intrigante por todos esses aspectos e pela discussão acerca da arte, mais propriamente sobre a função da cópia. A história deixa espaço para interpretações diversas sobre a relação entre os dois protagonistas, e a resposta não é explicitamente revelada. Será que o que vimos é real ou apenas mais uma cópia?

Dave Le Dave II
Enviado por Dave Le Dave II em 21/01/2024
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