Últimas vezes

Você lembra do primeiro beijo? Do primeiro coração partido? Do primeiro emprego? Claro que sim. As primeiras vezes são inesquecíveis. O legal é que normalmente elas são sucedidas de inúmeras outras. Isso, claro, quando a experiência é boa.

Mas mesmo quando não é. O primeiro assalto é sempre mais traumático que o próximo. No segundo tombo você já sabe que não ficará no chão pra sempre. É só levantar e continuar.

Mas e as últimas vezes? Você lembra da última vez que viu seu filme favorito? Ou o que disse ao seu grande amor, no último encontro? Quem não gostaria de ter dito um “eu te amo” ou “me perdoa” para alguém que morreu de repente? Ou dar mais um beijo naquela pessoa que não verá de novo?

A gente normalmente desconhece quando é a última vez, então não dá o devido valor. Hoje, por exemplo, pode ter sido a última vez que você comeu feijoada na sua vida. E agora te pergunto: degustou cada porção com a apreciação necessária para eternizar o sabor na memória?

A gente não sabe o dia de amanhã, mas não sou dessas que advoga por “viver todos os dias como se fosse o último”. Humanamente impossível. Se eu tivesse certeza absoluta que hoje era o meu último dia na Terra, certamente não teria perdido meu tempo limpando a areia do gato.

Seria o dia mais wild da minha vida. Nem saberia por onde começar, mas é um exercício interessante pensar a respeito. A gente se submete a muita coisa “no hoje” porque tem medo do amanhã. Mas, e se não houvesse amanhã? Bem que podia ser que nem a última refeição do cara no corredor da morte (em que ele pode pedir qualquer coisa que quiser).

Queria poder dizer que eu pegaria um voo para as Maldivas, mas e todas as horas até chegar lá? A não ser que, na poltrona ao lado, estivesse viajando o Pedro Pascal. Aí até consigo pensar em uma coisa ou duas para aproveitar o tempo. Iríamos de primeira classe, óbvio. Naqueles aviões super luxuosos, com cabine individual, cama, chuveiro e eunucos nos massageando os pés. Peguei pesado agora. Mas me deixa. É meu último dia na Terra!

Spielberg filmaria minhas mensagens emocionadas para entes queridos. J. K. Rowling daria uma revisadinha na minha autobiografia, e depois entregaria o manuscrito pros parças dela publicarem. Eu seria tipo aqueles gênios, ultra valorizados depois da morte.

Ainda a bordo da aeronave chiquérrima, de aparatos e celebridades, ligaria para 2 ou 3 líderes mundiais para intermediar tratados de paz e solução para a fome no mundo. Falando nisso, pediria à tripulação uns camarõezinhos empanados, com vinho rosé bem gelado e pudim de sobremesa.

Já descansada e comida, passaria minhas últimas horas dentro do indefectível mar das Maldivas. Sim, quero partir imersa na imensidão azul e salgada, cercada de peixes coloridos e golfinhos saltitantes.

E sem protetor solar.

Miranda Both
Enviado por Miranda Both em 21/01/2024
Código do texto: T7981738
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