🔵 Undererê
Aquele bingo só me havia trazido transtornos. Os frequentadores perdiam suas aposentadorias voluntariamente, portanto, ao menos, entre cartelas e copos de chope, se divertiam lá dentro. A casa de bingo foi aberta perto da minha casa, isso me “obrigava” a guardar vigília, acompanhando cada movimento, até umas três da madrugada.
Mas a sorte grande havia chegado. Não, eu nunca completei a cartela, mesmo porque isso seria impossível, sendo que eu jamais entrei na casa de jogos. A única maneira de eu obter alguma vantagem, sem cartela e sem entrar no bingo da rua, era o show de alguém famoso.
Pois a artista que “aparecia na televisão” era a Eliana de Lima. Talvez o nome não ajude muito, mas quem viveu intensamente os anos 90, quando vê-la, vai se recordar da cantora de ‘Desejo de Amar’. Provavelmente, o título do sucesso também não é o suficiente. No entanto, se eu cantar o refrão, o enigma será solucionado: “undererê...”.
Pois bem, agora chegou a minha vez, e tenho certeza de que toda a vizinhança estava ansiosa com a presença, no bairro da Vila Galvão, da grande cantora Eliana de Lima. Até levei em consideração que eu não gostava de samba, muito menos paulistano, e a artista já enfrentava as fases “por onde anda?” e “que fim levou?”, mas, finalmente, estava chegando o único dia que eu arrogaria algum benefício em morar ao lado de um bingo.
Sábado de noite, estranhamente, aquele movimento frenético de automóveis não me incomodava, pelo contrário, aquilo anunciava que chegou a noite do grande show. Acho que retardaram bastante o início do espetáculo, mas isso não me impediu de executar as trivialidades do dia a dia ouvindo um show ao vivo. Contudo, como eu só conhecia o refrão de uma canção, só identifiquei quando ela falou “undererê”. A técnica é manjada: o artista repete seu maior sucesso em várias versões.
Assim foi. Acredito que, querendo ouvir o coralzinho da plateia, meu banho foi ilustrado com o fundo musical “undererê”. Tudo o que eu fazia era contemplado com a trilha sonora. Na cozinha: “undererê”. Assistindo à televisão: “undererê”.
O show já havia acabado, os últimos apostadores tinham ido embora com seus liquidificadores, batedeiras e demais eletrodomésticos. O silêncio voltara àquela rua da periferia de Guarulhos. Então deitei com uma musiquinha grudenta na cabeça: undererê"