F u g a

 

 

Faz tanto tempo que eu não faço uma viagem por dentro de mim mesma, nem pretendo, está sendo positivo, tomei posse da minha vida real, acredito que pela primeira vez na minha vida. Nada de profundidade, não quero ser uma mulher com tantos sentimentos, e que pensa muito, quero o trivial, no seu percurso normal... eu passei uma vida inteira amando escrever, o que foi fundamental, ajudou muito para a minha sobrevivência, para atravessar tudo o que eu sofri tinha que haver um refúgio, e muito tempo depois, foi por uma vã esperança que alimentei, a ela me agarrei, e muito me iludi... foi aí que por mais um tempo à dureza da vida, sobrevivi.

 

Escrever é algo mágico, seja um poema de amor ou rabiscar coisas do dia a dia, o que agora, prefiro não fazê-lo...

é que as letras vão macias se soltando, é como se elas fossem invadindo a minha alma, vão, sem que eu permita, revirando coisas que nem quero mais remexer, talvez nunca mais, já não me deixo seduzir, prefiro calar, e o meu inconsciente em defesa daquilo que eu venha a sentir, agora faz birra, blinda essa vontade, vai trocando as letras pelo abraço ao corriqueiro, como o riso de uma criança qualquer que passa na rua, ou uma folha mais verde que se sobressai no meio das outras em algum jardim, ah tem também a folha seca que cai, toda minha atenção.

 

Abstraindo tudo, vou por aí num dia de calor intenso, enquanto a chuva não vem... é que os espinhos do passado não tem mais alcance nem forças para me atingir. Antes de dormir, às vezes insiste àquela inspiração, vem tão de mansinho, mas dela a minha alma foge... foge, feito louca, voa para outros pensamentos e por fim, refugia-se no sono, não, não é preguiça, é um sono repentino, é fuga... escrever me faz sentir coisas forte demais que nem dou nomes.

 

Não sei criar sentimentos, desenhar um poema, quando ele sai de mim, me arrasta junto, faz sangrar, tropeço, rasgo o peito, traz algumas lágimas e a nostalgia que gruda em minha alma, e que não quero mais sentir...

 

Levantando-me dos tombos, não quero mais fortes emoções, deixo de lado essa magia que tanto me consome, agora é partir por outros caminhos, quero e vou viver sem poesia. Prefiro escutar o canto dos passarinhos, eles sempre estão em todos os lugares, e quero lançar no final de cada dia o meu olhar curioso, tentando descobrir onde eles esconderam os seus ninhos...

 

Quero alimentar os colibris, ver algum filme calma e suavemente, ler os meus autores favoritos, e nos meus dias de folga, podar as simples flores do meu quintal, ser uma mulher sem delírios e sem desejos de transformá-los, porquê, escrever me dói, não quero a saudade daquilo que nunca terei.

 

Fico com a minha realidade, basta guardar por dentro as coisas banais do meu cotidiano, dessas coisinhas tolas que nos faz rir ou até chorar, depois esquecer de tudo. É só fechar o quarto, fechar os olhos, dormir e sonhar, ou não, no dia seguinte, estar pronta para recomeçar.

 

Sem me queixar do tempo, a vida passa, tudo passa, o amor que invade a alma da gente é o mais fiel alimento para manter a ilusão de que é melhor amar sem nunca poder possuir, do que passar pela vida sem nunca saber o significado do que é amar. Hoje cedo eu tive a consciência de que já não tenho o fôlego que eu tinha para o meu velho coração instigar. Que ele fique quieto, o que os olhos não alcançam, mas a alma deseja... com calma, ela sempre saberá onde encontrar. O amor é tão somente meu! Então só me resta saber amar.

 

Liduina do Nascimento
Enviado por Liduina do Nascimento em 21/01/2024
Código do texto: T7981207
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