Pedaços de minha vida

Quando eu morava emCoimbra, conhecia toda gente da minha cidade, pois morei nessa cidade até completar quinze anos, e me lembro ainda quando ela ainda não era uma cidade. Ela tornou-se cidade dia 27 de dezembro de l948.

Ela era uma cidade escura, pois a luz era fraquíssima, nós usávamos lamparina em casa. E meu pai tinha uma vendinha que era iluminada à noite por lampião de carbureto.

Suas estreitas ruas de terra eram transitadas por carros de bois, carroças e charretes. Muitas pessoas que moravam na zona rural da cidade, vinham fazer compras na cidade a cavalo.

Muitas vezes passavam boiadas pelas ruas ou mulas. Que tempo bom era esse! A gente ficava na porta vendo passar a boiada. E quando passavam burrinhos ou mulas na frente delas vinha um ou uma com um sininho. Era um acontecimento muito bom na minha infância.

Moravam em frente minha casa. Duas pessoas que sofriam de um mal que hoje tem cura, mas na época, as pessoas não procuravam psiquiatras, talvez por falta de conhecimento.

Uma delas era uma senhora que passava o dia inteiro deitada numa cama, não tomava banho, não penteava os cabelos e parece que nem trocava de roupas. Muitas pessoas achavam que ela era louca. E diziam que ela havia enlouquecido após a morte de um filho que contraiu pneumonia e morreu dentro de três dias. O outro filho, inteligente e músico, de repente ficou com amnésia. Esse passava quase o dia todo na janela que dava para a rua e quando passava alguém debaixo de sua janela, ele dava-lhe um tapa em sua cabeça e ficava rindo.

Muitos o achavam também louco, embora ele nunca agredisse ninguém. Eu não tinha medo dele e freqüentava sua casa, pois eu era amiga de sua sobrinha. A única coisa que achava estranho nele é que ele comia com o cabo da colher, não falava nada, apenas ria.

O marido da senhora doente passava o dia trabalhando em casa. Fazia trabalho de marcenaria.

A mãe de minha amiga ia todos os dias lá e levava comida para os três. E algumas vezes eu ia junto com minha amiga e observava o abandono da casa e pensava porque eles viviam assim.

Os pais de minha amiga tinha uma venda. Venda, naquela cidade, é um mercadinho. Eles tinham uma situação financeira razoável, mas acabou perdendo todos os bens quando tiveram

de pagar estudo para as suas três filhas. Como foi a falência, seus bens foram confiscados pelos credores.

Á ultima vez que fui à casa de minha amiga, ela estava morando em Viçosa numa casa alugada e a situação financeira não era boa.

A mãe de minha amiga contou-me que João, o moço que tinha amnésia faleceu. Ele tinha uma ferida na perna e um dia deu uma hemorragia. Nessa hora ele falou: Por favor, amarre um pano aqui”.Essas foram as palavras pronunciadas após muitos anos sem falar e também suas últimas palavras. Ela amarrou o pano para estancar o sangue.Mas infelizmente ele faleceu.

Ela contou-me que sua sogra também havia falecido.

Hoje sei que muitas pessoas sofrem de depressão e muitas vezes são curadas ou quando não são curadas totalmente vivem vida quase normal. Não são consideradas loucas pelos

Psiquiatras. Antigamente a depressão não era uma doença muito conhecida. As pessoas sofriam mais do que hoje.

Conheci também uma vizinha minha que só saia de casa para ir à missa aos domingos. Ela era muito branca, pois não saía nem no quintal de sua casa. Talvez sofresse também de depressão,e muitos diziam que ela era uma pessoa apaixonada.

Todos que sofriam de depressão na minha cidade as pessoas eram consideradas ora louca, ora apaixonada ou preguiçosa. Naquela época nunca ouvi falar em depressão

Atiz