Ingratidão & inveja
Dois velhos conhecidos encontram-se e trocam saberes sobre a vida.
- Outro dia falamos da ingratidão daquela protetora que você ajudava e que lhe virou as costas quando você não podia mais ajudá-la. Eu tenho um caso semelhante. O Marco, aquele que começou na carreira acadêmica por mim.
- Aquele sujeito não é confiável. Um tipo inseguro. Fez terapia, não?
- Por mais de 20 anos. O analista não o queria mais. Houve uma época em que ele ia ser dispensado da universidade. Estava sempre entre os mais mal avaliados. Os alunos achavam-no boa pessoa, mas inseguro e confuso.
- Já sei, você intercedeu para que ele recebesse mais uma oportunidade e ele convenceu-se de que ficou por mérito próprio.
- Exato! Dei-lhe a oportunidade de ouro para atuar em outra área. Jamais entregou-me um relatório sem erro, mas era ligeiro para culpar os outros. Não revisava; só escaneava. Passava vergonha, mas não se emendava.
- E não era brilhante, não? Um pesquisador medíocre. Um sujeito problemático.
- E com zero de humildade. Não reconhece nem é grato a ninguém que o socorreu nas tantas trapalhadas que fez na carreira. Nessa semana constatei o quanto ele me inveja.
- Um carreirista sem brilho próprio aproxima-se das pessoas certas para parasitá-las. E ele deve saber apresentar-se simpático e bonzinho.
- Sim, exato, aquela “pessoa de bem”. Nunca diz o que pensa e costuma concordar com a opinião de quem tem peso político. Ou se discorda, não deixa isso claro para não perder os privilégios que não alcançaria por mérito próprio.
- E para completar o quadro, vou arriscar um palpite: reluta em dividir despesas num almoço, por exemplo. E se resolve pagar, é porque tem grande expectativa de retorno no curo prazo. Acertei?
- É, você já o decifrou. É um tipo que a gente quer convidar para frequentar a nossa casa, mas exatamente aí reside o grave equívoco. Eu me deixei enganar totalmente, mas consegui despertar. De mim, nada mais terá. Só o desprezo.
- Esse sujeito encaixa-se na descrição do caráter anal, de Freud! Vade-retro!