FOTO: SILVÉRIA NÊMORA

IMORTAL

 

Aqui e acolá, encontro algum vestígio dela em algum lugar da casa. Deixou rastros por tudo o que é canto; seus passos vão e vêm no compasso do tempo. Lá fora, no quintal, as suas flores prediletas: a margarida, a rosa vermelha, o girassol, encostado no muro, a papoula amarela, o jasmim florido, a laranjeira, o pé de onze horas branca e a grande mangueira que sombreava a porta da cozinha. Na varanda, as antigas cadeiras revestidas de plásticos verdes, a preguiçosa com assento listrado e a rede branca para o seu repouso, após o almoço. Na cozinha, o velho fogão à lenha, a chaleira de ferro fundido, o cepo de cortar a carne, a lamparina sobre a janela, as panelas de barro e ferro, o antigo alguidar, uma cadeira de assento de couro cru e a desgastada mesa encostada na parede. No quarto, a sua inconfundível presença, o perfume impregnado no ar, seus paninhos rasgados, sua chinela tão usada, sua carteira de dinheiro, essa, ela guardava com muito cuidado no fundo da gaveta. Sua mesinha de canto, com os seus devotos santos e o seu urinol de ágata, sob a cama. Tantas e muitas lembranças dos seus trecos espalhados por todo lugar. O vestido estampado de azul, a anágua rosa, o pente preto, o leite de colônia, a latinha de talco, o querido anel de prata e o inseparável terço de contas marrom. Sua voz, às vezes calma, engraçada, birrenta, raivosa, ecoa inconfundível pelos quatro cantos da casa. Muitas coisinhas, esvoaçantes na memória, tantos ensinamentos, tanta vivência, hoje, contada, recontada, repassada na escrita da inesquecível e imortal história de vida da minha amada Mãe.