Rio 60 graus
Esta é a primeira vez que passo janeiro na “cidade”. Desde sempre, meus verões foram de areia, pele ardida do sol, água salgada e liberdade. A metrópole era sinônimo de rotina, regras, concreto e dureza. A praia não. Era o paraíso. A recompensa.
Lá eu podia andar despreocupada pelas ruas, cachos ao vento, pés descalços, sentindo a maresia; aproveitando as noites estreladas, os primos, a beleza. Eu ficava no mínimo 87% mais bonita quando me olhava no espelho do banheiro da casinha de Torres, no litoral norte gaúcho. Não sei se era a luz que entrava por uma janela perto do teto, ou a expectativa dos dias mais felizes do ano.
As roupas sisudas, compridas, uniformes de escola davam lugar às regatas, shorts e, 90% do tempo, ao biquíni, que só era parcialmente encoberto por um canga. Não me preocupava se estava gorda ou magra. Nem lembrava que tinha corpo.
Mesmo nos dias de chuva inventávamos as maiores diversões. Jogos de tabuleiro, carteado, perseguições pelas ruas a totais desconhecidos, com armas feitas de prendedor de roupa. Sim, minhas primas e eu éramos detetives particulares-gatas. “As Panteras” dos trópicos. Fazíamos cabaninhas com lençóis nos beliches, ou embarcávamos em viagens alucinantes no carro da minha tia, estacionado no pátio.
Na adolescência, farras das mais familiares com os amigos de toda uma vida. Se havia algum perigo, desconhecíamos. Ríamos na cara do tédio. Morríamos de amores de verão.
Os adultos tinham a estranha mania de sestear depois do almoço. Mas, como dormir, com tanta coisa legal pra fazer”?! Nunca entendi (agora, entendo). Ah, os almoços de vianda! Gelatina de sobremesa. Missas aos sábados de tardezinha. Empadinhas sortidas da padaria do pai do Luis Claudio. Banhos de piscina na Sapt. Passeios de din-din pela cidade. Os pesadelos com o prédio abandonado e em ruínas da Berta. Tínhamos de um tudo: romance, aventura e terror (quando o pai nos batia com varinhas arrancadas das árvores).
Dava uma deprê voltar pra cidade! Uma saudade antecipada daquele mar, das pessoas e das experiências. Não teve uma vez que cruzei o túnel da Conceição sem lágrimas nos olhos. Nosso apartamento em Porto Alegre sempre parecia menor. O ar quente do final de fevereiro, irrespirável.
Li em algum lugar que a sensação térmica no Rio bateu 60 graus esta semana. Embora em São Paulo esteja fazendo um calor senegalês também, e eu não seja fã do suor, aquece gostoso meu coração lembrar daqueles dias impunemente coloridos do século passado.