Deu branco
Vaguei pela noite, andei pela madrugada. Frio, chuva, rostos feios, olhares tristes de olhos famintos, pedidos negados a cada mão estendida.
Ali na rua meninos de rua, mulheres nuas, umas tinham cara de santa. Alguns risos, choros era o que mais se ouvia, eu ouvia tiros vindos não sei de onde. Uma luz que pisca, uma sirene pede passagem, a luz apaga. Um, dois, sei lá quantos, não consigo ver, só vejo um casaco caído, e junto dele uma bengala e um par de luvas.
Fui logo perguntando: Quem é? Silêncio, nenhuma voz, até a sirene agora estava muda, só o pisca, pisca.
Meus olhos ardem, como os olhos do sono, a chuva cai fria, esfria os ossos, eu quero aquele casaco de pele.
- Não é pele, é couro.
Eu sei. E os tiros de revolver, pelo jeito é trinta e oito, parece que morreram todos.
Nem o pisca do carro da sirene pisca. Cadê o motorista? Sei lá, deve ter ido buscar o jornal, lá deve ter a notícia do acontecido, deve ter sangue nele. É assim que a gente fica sabendo, o sangue fica encardido nas folhas dele, com o tempo elas ficam amarelas, um lê, empresta para outro, e o outro só conta a parte que lhe interessa. Às vezes aumenta um pouco, é normal, e assim a notícia vai ganhando espaço na mídia. Alguns anúncios são pagos, anunciam de tudo: casa, carro, roupa usada, programa com mulheres ou mesmo pedofilia, sei lá. Acho que vou embora, vou voltar pelo mesmo beco que vim antes de tudo começar. Vou parar no boteco do fim do beco, tomar uma cachaça que é para rebater. Sabe de uma, eu não sei nem onde estou, vou é deitar aqui mesmo. Vou agasalhar naquele casaco de pele e dormir.
- Não é casaco de pele, é de couro.
Eu sei porra, vê se não me enche o saco!