ZÉ, O PESCADOR

Logo cedo, bem antes do nascer do dia, lá estava Zé arrumando as coisas na canoa e a deixando pronta para zarpar.

Uma moringa de água fresca, umas lascas de charque e uma cabaça com farinha. Num canto estrategicamente colocada uma garrafa de Saborosa, que numa empreitada dessas não havia de faltar.

Zé havia recolhido a rede colocada na enseada dos tanheiros e o resultado havia sido promissor. Em três puxadas e a quantidade de peixes e siris era tão considerável que mais valia a esticada até a feira de São Joaquim para vender o pescado do que vender no mercado da Ribeira a preços menores.

E assim, aproveitando a vazante da maré colocou a piroga ao sabor da corrente de vazante e sentado na popa bastava usar o remo à guisa de leme e aproveitar o segmento da maré.

Já fora da corrente marinha pôs-se a remar margeando a praia sempre prestando atenção aos canais a fim de evitar arrecifes, embora o calado da canoa fosse relativamente baixo, não seria bom arriscar.

À medida que remava a embarcação deslizava pela água calma do mar de itapagipe. Logo chegou a ponta de Humaitá já com os primeiros raios de sol surgindo. A praia de boa viagem sentia o frescor da manhã da aragem vinda da boca da barra.

A canoa deslizava pelo mar calmo e Zé com remadas vigorosas logo alcançou a praia de Roma, a praia do Canta Galo e enfim chegou a Prainha de São Joaquim, onde aportam os saveiro e outras embarcações que chegam aos turbilhões de outros municípios costeiros ou das bandas de Itaparica.

Encostou a canoa em um canto da praia, pegou o alforje onde guardara os pedaços de charque, a cabaça de farinha e a moringa d'água com a caneca de barro.

Pegou no canto a garrafa de Saborosa, abriu a tampa com os dentes e tomou um gole. Esperou um pouco e enquanto olhava em volta serviu-se de outro gole, colocando a tampa da garrafa e a guardando novamente em um canto escondido da canoa.

O sol já imperava por completo. Eram quase oito horas. Zé pegou os cestos com o pescado e perdeu-se pelas vielas da feira. Chegando em um lugar onde outros pescadores ofereciam seus produtos colocou os cestos no chão com o pescado à mostra. Espalhou algumas folhas de jornal velho no chão e começou a colocar os peixes em montes de acordo com cada tipo. Os mais simples e baratos mais na frente e os caros um pouco mais perto dele para facilitar a guarda, pois não se podia descuidar que de repente aparecia um gato vadio e furtava um peixe, saindo a seguir em desabalada carreira. Isso sem falar os descuidistas que pegava o peixe, perguntava o preço e, se o dono da mercadoria estivesse desatento, enfiava o peixe numa sacola e saia assobiando como se nada tivesse acontecido.

Passada a manhã, tanto os peixes e os siris que havia levado para a feira foram vendidos e Zé, satisfeito com o apurado na venda começou a comprar as coisas que precisavam em casa. Feijão mulatinho, farinha copioba, café, arroz e açúcar. O básico para passar a semana. Comprou algumas correntes de ouricuri para alegrar as crianças e um pano de chita para agradar a esposa para que ela fizesse um vestido novo para usar no domingo que seria seu aniversário.

Encontrou alguns amigos e em uma quitanda serviram-se de uma garrafa de pitú mastigando ovos cozidos.

Conversa vai, conversa vem, chegou a hora de voltar para casa.

Voltou para a canoa e guardou sob uma lona as coisas que comprou para evitar que molhasse em caso de uma ou outra onda arrebentar-se no costado da embarcação.

Canoa arrumada, esperou mais um pouco que o sol baixasse e lembrou da garrafa de Saborosa. Estava morna , pois ficara exposta ao calor durante todo o dia.

Olhando o mar, colocou a garrafa na boca e mesmo morna, bebeu um golo generoso, guardando a garrafa a seguir.

Colocou a canoa na água e começou a remar. Às suas costas a feira de São Joaquim foi ficando distante. O sol já pendia para os lados de Itaparica. Logo ele cairia de vez lá para as bandas de Vera Cruz.

Zé não parava de remar. Não tardava, escureceria e ele pretendia chegar na boca da noite.

O mar estava um pouco encapelado devido a um sudoeste de pouca intensidade que adentrava a baía. Zé era experiente e aproveitava as pequenas ondas para impulsionar a canoa de modo a dar-lhe velocidade. Em pouco tempo cruzou a ponta de Humaitá. Justamente quando o sol já flertava com as montanhas insinuando uma aproximação.

Da ponta de Humaitá para adiante o mar já estava mais calmo e Zé reuniu as forças que ainda tinha e remou decidido a chegar logo em casa. Por certo sua esposa havia preparado o pirão d'água com cebola e dendê que ele tanto apreciava sabendo ela que ele estava levando o peixe moqueado que ela tanto gostava.

Já era noite quando Zé passou sob a ponte da linha férrea em plataforma e direcionou a canoa para a praia onde as crianças o esperavam com ansiedade.

Tirou as coisas da canoa e entregou aos meninos para que levassem para casa. Em seguida puxou a canoa guerreira para um canto seguro onde não corresse o risco de a maré alta puxasse a piroga. Logo chegou em casa e já pode sentir o cheiro delicioso do suculento jantar que a dedicada esposa estava preparando.

Após um merecido banho e o jantar com a esposa e os filhos, Zé sentou-se na frente de casa para fumar um cigarro enquanto em um rádio de pilha escutava a voz do Brasil.

Valdir Barreto Ramos
Enviado por Valdir Barreto Ramos em 17/01/2024
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