GRAMACHO, UM OUTRO MUNDO

Desconfio que estávamos em 2005, fora recentemente promovido a gerente da área de informações sociais, e resolvi brindar a equipe como duas visitas da maior importância para quem vive no núcleo da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, e tem por finalidade disseminar informações dessa nossa cidade.

Coincidência ou não ambas foram locadas fora dos limites da capital, o maior Aterro não muito Sanitário da América Latina, batizado de Gramacho, cravado no vizinho município de Duque de Caxias, e a maior estação de tratamento de água do país, que na realidade são duas estações interligadas, chamada de Guandu, situada no vizinho município de Nova Iguaçu.

A estória que agora relato, começa com uma solicitação à empresa municipal de limpeza - Comlurb para uma visita técnica ao principal destino de lixo da cidade, o que não o impedia de atender outros municípios da Baixada Fluminense.

O micro ônibus da empresa nos transportou até Gramacho. Nossa chegada coincidiu com a de um grupo de catadores de lixo, que ao contrário do que se possa imaginar, são trabalhadores como os de qualquer outra especialidade, nada os diferencia, até o momento de entrada no vestiário para troca de indumentária.

Na saída, os paramentos são tantos, que até o sexo do profissional fica impossível de se distinguir, em comum a massa de tecidos de proteção e os sacolões que carregavam para separação do lixo que agrega mais valor.

Outro tabu logo quebrado é o referente à remuneração média dessa profissão, o relato de nosso guia definiu como três salários mínimos a média local, um valor bem superior a muita profissão das ditas tradicionais.

Agora entrando na questão da inveja no trabalho, acredito que nesse campo de labuta, a única virtude a causar inveja, deve ser a idade, que permite ao catador profissional maior agilidade, o que vai influir diretamente na performance financeira diária, independente do sexo.

As singularidades terminam aí, pois daqui para frente, o que vamos assistir tem características de batalha campal sem inimigos. Quanto mais se arrisca para escolher primeiro, maior o faturamento ao final do dia.

Com achegada de um novo caminhão, o bando de catadores se aglomera, fazendo praticamente um cordão de isolamento em volta da caçamba do veículo. Enquanto a carroceria se ergue na dianteira, o cordão se desfaz, e os mais destemidos já estão galgando sobre a montanha de lixo que escorrega para o chão, agora é briga de cachorro grande, não existe mais gentileza nesse momento, é cada um por si, e Deus por todos.

Em uma pequena fração de tempo, tudo que esse mercado valora foi extraído. Agora, restam basicamente resíduos orgânicos, que logo em seguida, serão cobertos de terra trazidos por um caminhão, que lentamente sobe aquela montanha construída de lixo, em seguida um trator espalhará essa massa que mistura terra e lixo pelo terreno.

Essa rotina se repetirá incansavelmente durante todo o dia. Enquanto crescem os sacolões de mil metros cúbicos, que vão se acumulando numa determinada área. Agora, caminhões velhos e em péssimas condições de funcionamento, transportarão os identificados sacolões abarrotados de material reciclável para outro local.

Uma especificidade local, que beira o non sense, é o supermercado de produtos encontrados no lixão, com mercadorias vendidas a preço de ocasião. Claro, que a existência de uma anomalia como essa, não é por acaso, seus usuários em sua maioria, devem morar na favela de Gramacho, uma comunidade miserável que se instalou nos limites desse depósito de lixo.

Os portões do aterro fechados não impedem que novos lixões floresçam. Onde tem lixo, tem famílias que dependem dele, não para salvar o planeta, mais para não morrer de fome.

Crianças com sarna brincam com cachorros também com sarnas, urubus, ratos, porcos, todos convergem para esse inferno de sujeira, enquanto moscas em nuvem, pousam no rosto, nas pernas, nos braços de pessoas, enquanto observam o caminhar lento de mais um dia de suas vidas.

Gramacho que funcionou entre 1978 e 2012 acumulou no período mais de sessenta milhões de toneladas de lixo, que transformaram uma área plana de fundo de baía, ladeada de manguezais e toda vida nele gerada, num morro com sessenta metros de altitude, ou seja, a altura de um prédio de vinte andares de lixo em putrefação.

Hoje esse elefante branco, consegue ao menos gera gás metano, que finalmente foi industrializado e também chorume, que depois de um processo de oxigenação e evaporação se transforma em adubo, que a Comlurb usa em jardins da cidade e também vende por um valor simbólico para aqueles que desejam melhorar a qualidade da terra nos vasos de casa, ou nos jardins particulares.

,

Alcides José de Carvalho Carneiro
Enviado por Alcides José de Carvalho Carneiro em 16/01/2024
Código do texto: T7977708
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2024. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.