BOLACHAS QUEBRADAS

Nesta minha fase, pós- Covid, uma das preocupações dos médicos com o quais estou me tratando é de que eu mantenha baixos os níveis de colesterol e triglicerídeos.

Para seguir estas recomendações tive que abandonar o pão.

Foi-me recomendado que procurasse comer bolachas salgadas, no máximo duas ou três por dia.

Na busca de atender estas orientações procurei achei nos mercados um tipo de bolacha salgada que se caracteriza por ser bastante torrada, muito leve e com a circunferência que pode-se comparar com a palma da mão.

Por incrível que pareça este tipo de bolacha é a mesma que conheci quando criança, em Rosário do Sul, há mais de 65 anos.

Comprei 3 pacotes desta relíquia e minha cunhada e minha filha a guardaram em vidro grande.

Hoje quando fui pegar uma bolacha vi tinham acabado, restando, apenas no fundo do vidro, uma quantidade grande de bolachas quebradas o que acontece em razão de elas serem pouco espessas, muito torradas e crocantes.

Ao ver as bolachas quebradas me vieram, de imediato, lembranças de minha vida de criança.

E, estas lembranças, se fizeram acompanhar de algumas lágrimas...

Éramos 7 irmãos mais, o pai, a mãe, a minha madrinha e o meu avô que morávamos na mesma casa e que era mantida pelos artesanatos, costura e doces que minha fazia e nós vendíamos e durante 4 meses do ano pelo trabalho de meu pai, durante a “safra verde” como assim se chamava, na minha terra o período – de março a junho- em que a Cia. Swift do Brasil, ao comprar gados dos fazendeiros da fronteira, para abate, empregava mais de quatro mil rosarienses.

No período da “safra verde” acompanhando o café com leite das nossas manhãs antes de irmos para o colégio, comíamos estas mesmas bolachas que o tempo me permitiu reencontrar.

Nos deliciávamos, os irmãos maiores, com a gostosuras delas, sobre as quais passávamos manteiga feita em casa e na ausência deste complemento, passamos banha de porco com um pouquinho de sal cujo sabor e cuja “sustança” é impossível de descrever em palavras.

Mas quando a swift parava de comprar gado para o abate a demissão em massa dos trabalhadores, contratados por temporada, jogava milhares de famílias no desemprego e consequentemente, na impossibilidade de sustentar suas famílias.

O meu pai, na sua rotina de buscar alimentar-nos descobriu que os armazéns tinham suas “tulhas” de guardar as nossas bolachas, cheias de cacos das mesmas que quebravam pelo manuseio.

Conversando com um deles sugeriu que podiam ao vender os cacos, recuperar algum percentual da quebra apresentada.

A ideia foi aceita por um dos seus amigos comerciantes e de repente espalhou-se por todo o comercio da periferia de Rosário do Sul que, vendendo as bolachas quebradas, por um preço acessível aos seus miseráveis clientes conseguia alguns mil réis para diminuir os seus prejuízos.

E assim, os nossos cafés, fora da “safra verde”, não eram mais com leite e sim café Preto engrossado com farinha de mandioca e acompanhado não mais de bolachas inteiras, novas e crocantes, mas de bolachas quebradas compradas por um décimo do valor das inteiras e não tinham mais manteiga e nem banha de porco... mas que para o nosso paladar de crianças filhas de desempregado, tinham um gosto especial e inesquecível.

Voltando a novembro de 2021 fiquei olhando o meu vidro cheio de cacos de bolachas salgas e fui mastigando um a um, que serviram de acompanhamento para meu café mas também alimentaram minha alma e me levaram para os caminhos singulares de minha infância, da infância de meus irmãos e da luta de meu pai e de minha mãe para criar-nos com dignidade , independente da dores e dos sofrimentos.

Acima de tudo reforçaram a minha convicção de nunca me esquecer de quem fui e de onde vim.

ERNER MACHADO
Enviado por ERNER MACHADO em 16/01/2024
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