REQUIÉM PARA OS DIAS
Todos os dias vejo o desaparecer dos dias, no terminar das tardes em que estou. Herdei da minha mãe a melancolia dos entardeceres, e o cheiro dos cravos que acompanham o fenecer do sol que se vai no esmorecer das horas claras e fugidias. Os finais das tardes são como velórios em que acompanho o cortejo fúnebre, até ao cemitério das noites, onde são sepultados os dias.
No alaranjado morto que antecede o despertar dos postes e dos fantasmas, despeço-me de cada dia como se fosse meu último dia. Já são tantas as minhas exéquias e vários os meus saimentos, e nada de chegar o meu derradeiro dia.
Já perdi a contas dos escuros em enterrei colegas, parentes, amigos, cães, casas, momentos, amores e desamores, até a minha infância e eu mesmo nela brincando. Tudo um dia se vai para as noites em que se vão os dias.
Dias são como rios de Heráclito. Neles diariamente me banho, no mergulhar nas águas que não são mais as mesmas, nem eu mesmo sou mais o mesmo, pois trago em mim o somatório das noites nas quais descansam em paz meus passados dias.
No fundo pardacento das tardes, sombras me esperam sonolentas no interior das penumbras em que rumo, por sobre as asas assustadas do meu anjo da guarda que tem medo dos quartos escuros.
Todos os dias vejo o desaparecer dos dias. Mas ainda haverá um dia em que serei eu a sumir no seio da alma de um dia.