Amizade sincera, matéria-prima literária
Leio no Facebook – para ser mais preciso, leio na timeline do perfil da amiga romancista Betti Pellizzer – um textinho ou, eruditamente falando, um textículo bem interessante intitulado "Das coisas que a gente faz por dinheiro…", e dele extraio, como gosto de fazer, a frase parentética “escritor não tem amigo, tem matéria-prima”, que cintila neste período: “Coisas estranhas que comi, dores que voluntariamente senti, desavisados cujas reações testei em meus laboratórios (escritor não tem amigo, tem matéria-prima), privações a que me submeti.”
Eu estava lendo também o livro O poeta e outras crônicas de literatura e vida, de Rubem Braga, recentemente adquirido. Achei o máximo a frase da Betti e logo pensei: matéria para minha coluna da semana no Blog do João Carlos. Pegando a deixa na hora, transformei, à guisa de comentário, o dito trecho parentético no seguinte axioma bettipellizzeriano: “Escritor não tem amigo, tem matéria-prima” (Betti Pellizzer). E, como o Facebook é vivo, aguardei a imediata reação da autora, que estava online.
Ufa, que alívio! A experiência meio traquina com frase alheia foi aprovada, sem recriminação da autora. Não demorou. Interagindo ao vivo – isso me fascina –, a Betti me respondeu, à altura e à moda da casa, apondo ao comentário a facebookiana reação “Haha”, por meio do emoticon respectivo, na forma moderna de linguagem não verbal das redes sociais. Logo, o meu ensaio laboratorial fora bem-sucedido: reação testada e aprovada. Nota dez para a ciência e a tecnologia que nos proporcionam esses momentos e coisas belas da vida.
Voltando ao livro, até para dar uma satisfação ao leitor, preciso dizer que se trata de uma coletânea de 25 crônicas, que estavam inéditas em livro até agora, nas quais Rubem Braga fala de seus amigos (um de cada vez, claro): romancistas, contistas, cronistas, poetas, filólogos, críticos literários, editores, historiadores, jornalistas e assim por diante. Confesso que fiquei feliz ao ler o livro, pois, antes dele, muitas vezes indagara a mim mesmo se as crônicas nas quais falo de meus amigos não eram uma tolice ou cafonice minha.
Não, minhas crônicas sobre os amigos não são tolice, cafonice ou coisa que o valha: são homenagens merecidas e (às favas essa tal de modéstia) ricos registros que faço para a posteridade. Rubem Braga e outros escritores famosos fizeram a mesma coisa em suas crônicas. Afinal, “escritor não tem amigo, tem matéria-prima”. A diferença é que eu sou um cronista menor, nada mais do que isso. Sem problema, sinceramente, sem problema. A Bíblia também tem os profetas maiores e os profetas menores. Haveria melhor exemplo? Penso que não.
Já penso, pois, na crônica em que falarei da minha amiga escritora Ana Valéria Fink, que me presenteou com seu livro Regando os jardins do Senhor e outras crônicas, um clássico do gênero, prefaciado por ninguém menos que o também escritor e marido dela, saudoso Professor Doutor Vitor Hugo Martins, que recentemente nos deixou e foi morar na eternidade.