DOMINGO



          O dia estava lindo! Ela acordara cedo. Era domingo, ante-véspera de Ano Novo.

          Apesar de não ser exatamente o que mais queria fazer, acordou animada. Havia ligado o alarme e, por ter acordado de repente, não se envolvera em muitos pensamentos.

          Após o banho, fez o café e foi tomando o seu devagar, enquanto aguardava que todos acordassem. Era um grupo grande na casa, para o final de ano. Houve algum atraso, mas finalmente todos estavam prontos para sair. Era um bom programa: primeiro, um passeio até a fazenda à beira do rio Jacaré, que alguns não conheciam; depois iriam passar o dia num rancho de pesca, num braço do mesmo rio. Iriam nadar, passear de lancha, esquiar.

          Meu dia hoje será diferente, ela pensou. Com um grupo grande, divertido, esquecerei um pouco de mim, das lembranças que trago comigo, da saudade, mesmo.

          Saíram e o percurso, de cerca de meia hora, foi agradável e tranqüilo. Mas, logo à entrada da fazenda ela viu os coqueiros, ah, os coqueiros, ela pensou...e mal teve tempo para distrair-se novamente e reparou que durante a viagem e ali, não deixara de ver os canaviais.
Ah, os canaviais! Em que fase estariam agora? E começou a pensar em coisas que lera a respeito, recentemente. Buscou desviar o pensamento...

           Fizeram uma caminhada até a beira do rio e depois foram contornando o canavial, até chegar a um mangueiralcomercial, do outro lado da divisa. As mangueiras, mantidas baixas para facilitar a colheita estavam carregadas.Os frutos, quase maduros, de um vermelho azulado, lindo. A plantação seguia a perder de vista, à esquerda... e à direita ainda o canavial. Chegaram ao ponto de partida e ela procurou fixar sua atenção no laranjal do outro lado. Cana e laranja era o que se produzia ali.

          O calor era sufocante. Foi até o tanque, no rancho que emendava com a casa. Molhou os pulsos, pôs água na boca por várias vezes e cuspiu; segurou os cabelos com uma das mãos e colocou a nuca debaixo do jato de água da torneira, ficando assim um pouco de tempo. Após refrescar-se, ainda pingando, resolveu andar um pouco pelo pomar atrás da casa.

          Foi andando e viu dois abacateiros com frutas em formação, mangueiras, com algumas mangas ainda verdes, goiabeiras, bananeiras, as amoreiras e os cajueiros. Ah, os cajueiros são ainda pequenos, pensou... e as lembranças dispararam, muitas, várias, com força.

          Voltou ao rancho aturdida e enfiou a cabeça novamente embaixo da torneira...

          Reuniram-se todos novamente e partiram em direçào ao rancho de pesca, que não ficava muito longe. Um lindo lugar. Todos descem e acomodam as coisas que levaram. Feita sua parte ela saiu para descer ao ancoradouro. Os ranchos, todos construídos num pedaço de terra mais comprido do que largo, terreno esse bem arborizado, em declive em direção à margem, eram bem próximos uns dos outros. Ao lado o som estava ligado, alto, mas ela distraída olhava a paisagem, até que sua atençào começasse a ligar-se àl letra da música:"'...o rio Capibaribe passa por todo lado... " -Estou sonhando, ela pensou - e prestou mais atenção. O som estava alto e parecia-lhe ter ouvido certo, a mesma frase, com algumas variações, repetida várias vezes. Teve vontade de dirigir-se aos vizinhos e perguntar, mas faltou-lhe coragem. Os pensamentos voaram novamente. Quando voltou a prestar atenção à letra, já era outra música que uma voz entoava: "...você sabe, mulher, você sabe, que às vezes eu canto chorando..."

          O resto do dia? Bem, foi o resto do dia, quase todo ele preenchido por uma só imagem, uma só lembrança. Tirou fotos, nadou num rio pela primeira vez, fez um passeio de lancha. Esse foi um momento em que realmente esqueceu de tudo. Só ela e a filha, dirigindo a lancha. Uma pequena aventura, uma pequena loucura. Às vezes é preciso cumprir o papel de mãe coruja. A água, o vento, a velocidade, o azul do céu, as nuvens brancas, o verde da água, as marolas, alguns pescadores com seus barcos no meio dos aguapés, grupos nas margens. Ali, ela, a filha e o barulho do vento. Momento perfeito!

          Ao voltar, no meio das nuvens brancas, uma faixa cinza leve, esparsa, despenca uma chuva de verão, nem muito forte, nem muito fraca; refrescante. O céu chorou rapidamente, quase escondido, como ela mesma  fizera...