FOTO: Inambê

PASSAGEIRA DO TEMPO 

 

O sol reluzia na quente tarde de verão. No quarto, macios lençóis afagavam aquele corpo inerte, pálido, frágil, incapaz de lutar. Entregava-se pensativa, silenciosa e resiliente. Os seus pensamentos ainda teimavam em vir, às vezes, camuflados, outras vezes, claros e alegres. Muitas lembranças vinham como um acalanto, como um presente a quem estava prestes a descer na próxima estação. Recordava somente das coisas boas, das sementes plantadas, floridas e colhidas ao longo do tempo. Lembrou-se da rosa-amarela sob a sua janela, que todas as manhãs encantava o seu olhar. Da borboleta colorida que sobrevoava o seu jardim, nos dias nebulosos, e do bem-te-vi sobre o telhado no alvorecer. Da chuva fina na sua vidraça, do clarear do relâmpago pela fresta da porta e do barulho quase assustador do trovão. Do crepúsculo na beira-mar, da areia molhada, do vaivém das ondas, da brisa fria no seu rosto e do vento que teimava em assanhar o seu fino cabelo. Recordava-se do sorriso da criançada, dos brinquedos espalhados na calçada, das conversinhas de rua e da animada festa de São João. Da correnteza do rio, do alumiar da lua sobre as águas, dos gritos de felicidade da vizinhança. Da estrada de terra do sertão, da enchente do estreito riacho, do lindo florar da plantação e da frondosa laranjeira plantada no seu vasto quintal. Do campo, das flores silvestres, do passarinho no terreiro, do lindo canto do rouxinol e do despontar do arco-íris na tardezinha de inverno. Do céu, das estrelas radiantes, do escurinho da noite e da bonita lua cheia. Em meio ao silêncio, ela fechou serenamente os olhos, o mundo lá fora tornou-se bem distante, inalcançável e sem graça. Ela sorri, docemente. A brisa suave, as gotas do orvalho, o perfume do cravo branco, alentavam o seu terno e finito adormecer.

 

Revisão ortográfica:

Humberto Fontinele Lopes