Pedreiro morcego

 

     A construção civil é marcada por acidentes, alguns muito graves e, às vezes, fatais, infelizmente. Meu irmão Pedro exerceu, por várias décadas a função de pedreiro e passou alguns apuros no exercício da profissão, principalmente com os andaimes e as escadas.

     O mais grave deles ocorreu quando trabalhava na construção da Igreja Nossa Senhora do Carmo, no bairro de mesmo nome, em Sete Lagoas. Sobreviveu por sorte a uma queda de mais de seis metros de altura. Ficou com a memória prejudicada, por um bom tempo, devido à forte pancada na cabeça, mas acabou se recuperando, sem nenhuma sequela.

     Entretanto, o episódio que queremos relatar aqui não teve consequências mais sérias e não passou de um incidente. Estava ele a fazer uma reforma, tendo como ajudante o agitado e bem-humorado Frederico, do Vale das Palmeiras. Certo dia, aprumou uma escada na parede da velha casa e se pôs a retocar o beiral, embocando as telhas com massa de cal com um pouco de cimento. Ali por perto, Frederico ia dando a assistência necessária, preparava a massa e disponibilizava as telhas a serem utilizadas, erguendo-as cuidadosamente numa corda paralela à escada, no topo da qual meu irmão se equilibrava enquanto executava o serviço.

     De súbito, a escada movimentou-se perigosamente, escorregando no piso de ardósia, umedecido da massa que havia caído do telhado. Pedro assustou-se, largou a colher que segurava e atracou-se num dos caibros, apoiando os pés na parede, enquanto a escada caía com grande estrondo.

   Frederico veio correndo ver o que tinha acontecido e surpreendeu-se em  ver o pedreiro, hoje aposentado e apenas uma chapiscador de versos, agarrado lá no alto como um autêntico morcego, pedindo para que o outro repusesse a escada na parede.

    Não obstante, observasse que Pedro tinha sérias dificuldades para se manter no alto do telhado, Frederico, agitado, pediu que ele esperasse um pouquinho, enquanto ele ia chamar os donos da casa para ver a cena. Queria que todos vissem a habilidade com que o ágil pedreiro tinha se agarrado para não cair junto com a escada.

     Pedro, ficou indignado, gritando por socorro, mas não adiantou.  Enquanto, não se reuniram todos para verem a inusitada cena, Frederico não tomou a iniciativa de reerguer a escada para salvar o companheiro daquela enrascada.

     Meu irmão desceu, ainda trêmulo com o ocorrido e disposto a dispensar imediatamente o servente irresponsável e atrapalhado, mas acabou decidindo ao ver no rosto do rapaz aquele sorriso largo e inocente.

     No final, todos acharam graça e comentavam o ocorrido. Fosse nos tempos atuais, com as redes sociais em alta, o Frederico teria filmado ou fotografado a cena e postado instantaneamente.

    Com certeza, seria um grande sucesso e não precisaria perder tempo chamando todos para testemunharem o episódio do "pedreiro morcego", agarrado no caibro para não se esborrachar no chão.

 

Fernando Antônio Belino
Enviado por Fernando Antônio Belino em 13/01/2024
Reeditado em 13/01/2024
Código do texto: T7975511
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