O homem que passa aos olhos do menino de vó

O homem que passa não passa ligeiro, uniforme, incolor. Feito as pessoas comuns. Passa divagar, rindo e chupando uma manga. O modo artístico com que o homem chupa a manga, sem se lambuzar todo, impressiona o menino de vó. O menino de vó jamais conseguiria tal façanha. É inábil em matéria de chupar manga sem se lambuzar.

O homem que passa parece gostar de manga, já o menino de vó anda ultimamente decepcionado com o fruto. Quando criança, era umas de suas frutas prediletas. À ocasião, o menino de vó quase não tinha dentes, nem sabia que existem boas maneiras para chupar manga. Era desconhecedor dos fiapos do fruto e de manejos sociais.

O menino, porém, cresceu. Cresceram-lhe também os dentes e o ambiente em que se localizava, antes desprovido de regras, passou a ser domesticado. Chupar manga tornou-se uma atividade de risco e, se feita em público e de maneira inábil, passível de reprovação social.

Hoje, mais por convenção que por gosto, o menino de vó prefere maçã. É mais prática, não tem fiapos nem engorda, dizem.

O homem que passa passa. Aos olhos do menino de vó fica a comparação. Mais de trinta anos de romantismo, leituras, ideais, desilusões... Sem nem saber chupar uma manga direito.

O homem que passa passa. Passa divagar, rindo, chupando uma manga. O menino fica, olhando-se, comparando-se. Quando crescer, o menino de vó pretender ser como o homem que passa. Deseja, mesmo em meio a tantos carros, muitas gentes, setenta e sete postes, deseja passar divagar, rindo, chupando uma manga em pleno asfalto. E que ninguém, com exceção a algum menino de vó, que ninguém repare em seu andar divagar, em seu riso eloquente, em sua maneira artística com que chupa manga.

Damião Caetano da Silva
Enviado por Damião Caetano da Silva em 13/01/2024
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