Tem cabimento?
O que fazer quando a gente só sabe caber mas, no momento, transborda?
A reflexão me lembra um episódio, em 2008. Eu esperava minha primeira filha, e não comprei nenhuma roupa de grávida. Lá pelas tantas, blusões de lã viraram miniblusas no inverno congelante de Porto Alegre. Uma colega, vendo aquele barrigão inescrupulosamente exposto, me emprestou um macacão jeans de gestante. Ele virou meu uniforme até o parto.
Vejam: não foi por desleixo ou falta de grana. É que tinha muita coisa acontecendo, e não me liguei que já não estava cabendo. Mal sabia eu que, depois da maternidade, eu jamais caberia em mim de novo. E não tô falando das roupas.
A gente se transforma, não só quando vira mãe, mas ao longo do tempo. Coisas que sempre serviram e ficavam bem, de repente, passam a ser tão descabidas quanto uma ombreira numa blusa sem alça (o politicamente incorreto “tomara que caia”).
Não é ruim mudar, se for para melhor. Graças a Deus não sou mais a pessoa de 2008. Mas é difícil se desapegar do que nos trouxe algum tipo de recompensa no passado. Complicado aceitar que não faz mais sentido, e descartar. Dizer adeus ao familiar.
Às vezes, nos apegamos à ideia do circunstancial: “Ah, mas depois do parto eu volto a usar esse jeans”. Sabe de nada, inocente! “Caraca, ele sempre foi tão carinhoso. Deve estar estressado.” Ahã. “Depois de tantos títulos do Grêmio, chegou a hora do Inter subir na gangorra.” E por aí vai.
Sim, existem ciclos e padrões. Mas a vida é agora e não dá para adiar a adequação porque amanhã você pode nem estar mais aqui.
Mudança, cá pra nós, é um saco mas tem isso de bom: nos obriga a abrir os armários, tirar todos os esqueletos e dar lugar ao novo. Ou ao nada; só arejando mesmo o ambiente. Aquele desconforto periódico e necessário.
Cada vez que arrumo um cômodo, tiro três sacos gigantes de lixo e outros tantos volumes para doação. A decoração agora será minimalista. Só o que for útil e bonito. O que couber. Transbordou, abarrotou, apertou, atravancou? Já era!
Na faxina interna, aquele momento de bagunça, limpeza, rinite alérgica, caixas, seleção do que ainda serve e o que virou lembrança. De olho lá adiante, na próxima estação.
Cuidar do templo que nos foi emprestado é essencial para nossa melhor experiência deste mundo. Lar e alma arrumadinhos, prontos para receber o melhor da vida e o melhor de mim.
“Por caminhos tortos, viera a cair num destino de mulher, com a surpresa de nele caber como se o tivesse inventado.” — Clarice Lispector
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