O Alfabeto da Miséria em Tempos de Pandemia de Coronavírus
Mãos ávidas para o labor, olhos fixos nas ordens e hierarquias que delineiam um cotidiano de coerção excessiva. O suor dos trabalhadores alimenta o ciclo vicioso: oito horas de esforço diário para apenas garantir o pão de cada dia e quitar dívidas que, como sombras, persistem. Será esta a tal liberdade de escolha no suposto justo e racional mercado de trabalho? O que restou das mentes proletárias senão a escravidão assalariada que, iludida, respira sonhos em um happy hour amargo?
Nas ruas, uma multidão de pedintes denuncia a falta de emprego e a ausência de um preço justo para o pão básico. No calor da febre eleitoral, um governo genocida oferece benesses desbotadas, enquanto o agronegócio, longe de alimentar o povo, se curva às demandas das comodities internacionais. O agro, outrora pé de galinha no prato, agora se reduz a soro de leite nas prateleiras dos supermercados e à venda de sobras de queijo – descaso materializado em restos. Agro é fome para crianças, lucro para seus sócios; é farelo de arroz para a classe média e produção de riqueza para latifundiários.
Nos interstícios do sistema, onde o povo luta pela sobrevivência, o governo desfere suas armas: manipulação ideológica e cortes nos gastos públicos. O trabalhador brasileiro, desvalorizado, é tragado pelo abismo do desemprego e da precarização, enquanto a justiça, partidária e burguesa, permanece de lado, indiferente. Empresas demitem para recontratar a menor salário, férias são retalhadas em múltiplas parcelas e o incentivo ao empreendedorismo é um véu ilusório.
Nas cidades, caldeirões de miséria fervem, e a lei, agora com ares mais vorazes, decreta o lado mais cruel da mais-valia. O Artigo 7 da Constituição Federal Brasileira - versão 2.0, reformada pelos golpistas parlamentares e de toga, é a lâmina que corta os direitos dos trabalhadores.
Enquanto degusto meu cappuccino e me horrorizo com o saldo minguado no aplicativo bancário, famílias inteiras enfrentam a abominável fome na W3 Sul. Jovens, moribundos, buscam na Praça da Sé, em São Paulo, a efêmera sensação do crack. Nos braços injustos dos lucros, banqueiros sorriem diante dos juros abusivos que sugam dos humildes.
Empresas crescem seus patrimônios, esmagando salários diante do vasto exército de desempregados. O alfabeto da miséria se renova, brota e avoluma, enquanto a sociedade observa, entre suspiros, a triste sinfonia da desigualdade que ecoa em todas as suas notas desafinadas.
10.08.2022