Um Morto se Comunica com os Vivos na Pandemia de Coronavírus

Permita-me desvelar a teia densa da minha raiva, uma indignação que se exala dos lábios gélidos, como um rio turvo que mata a sede no mundo dos vivos. Um desconforto que permeia a bestial rotina, um lamento que se torna a trilha sonora de um tempo onde a morte paira como uma sombra persistente.

Surge a pergunta no eco da minha revolta: ninguém aí se culpa pela minha morte? As centenas de vidas ceifadas pela pandemia são elas apenas números abstratos, esquecidos em meio ao eterno imobilismo dos vivos? Os genocidas, em sua impunidade, riem do impotente clamor por justiça, enquanto protocolares pedidos de impeachment se perdem na indiferença do facistóide mor.

Aqui, ao lado, Kafka ri cinicamente, apontando para os magistrados brasileiros como marionetes burocráticas de uma elite que desdenha da vida operária. Orçamentos secretos que legitimam corrupções, verbas da saúde desviadas para banquetes militares, tetos de gastos públicos que sufocam as benesses ao povo. Uma miséria que se perpetua, um descaso que leva ao suicídio constante.

Fui eu uma breve nota nos noticiários da mídia conivente? Nós, os mortos, somos apenas estatísticas a serem discursadas por parlamentares e togados, envolvidos em seus incontáveis privilégios? O silêncio, na mistura de ignorância e resignação, parece ser a resposta coletiva diante da tragédia que nos envolve.

Invoco a memória, saturada de sangue, e as cinzas do luto para que os ditos vivos celebrem a vida com justiça e liberdade. Que não sejamos apenas lamentações perdidas na inércia da sociedade, mas sim um chamado insistente para que a justiça não seja mais uma palavra vazia em um discurso apático. Que o silêncio seja quebrado pela voz da mudança, pela busca incansável por um mundo onde a vida seja valorizada em sua plenitude.

06.03.2021

Dennis de Oliveira Santos
Enviado por Dennis de Oliveira Santos em 11/01/2024
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