Antes de ganhar a Rua da Tragédia eu tenho que andar por uma praça em meu condomínio até chegar ao portão e chegar na rua. E independente do horário que eu passe, existe um homem velho de olhar triste que fuma o dia inteiro, acendendo o novo cigarro no toco do cigarro velho... às vezes sinto a impressão de que só EU o vejo. Certas pessoas e me questiono... "será que são espíritos perdidos? Alucinações de um contador de histórias desesperado...? Pra encontrar e contar... histórias??". (...) E tem este guardador de carros simpático, que sorri e que canta. Ele ajudava minha mãe a estacionar mesmo que ela fizesse aquele velho sinal do "hoje não tem". Seu rosto era satisfeito; ele parecia gostar do emprego, tem gente que gosta do emprego só por estar empregado. Certa vez me apareceu com um CD em mãos e me disse que era cantor (de arrocha). Era 5 reais e eu comprei... Alguns meses depois ele apareceu com mais um (INÉDITAS!) e custava 10... E meses depois mais outro e mais outro e mais outro... E eu sempre comprava. Mas nunca ouvia, apenas largava em algum canto da casa, já com grande intenção de esquecer. Mas uma nuvem apareceu... Uma nuvem que ele me mostrou num raio-x do seu tórax. E ele pedia ajuda... Eu não dei a mínima.
Antes do natal eu andava na rua com minha filha e ele me parou e passou e me falou de sua vida. Eu não o via há algum tempo e ele me contou que a tuberculose se fora, mas que sua família; mulher e filhos... mandaram ele embora. E timidamente, com os olhos vermelhos (talvez mistura de cachaça com lágrima) me falou que estava morando na rua. Mais um morador cativo da "Rua da Tragédia", em Salvador. (...) Voltei andando devagar e meio confuso... Porque minha menina me dizia coisas engraçadas e eu ria e estava feliz, mas ao mesmo tempo sentia um nó na garganta de um choro reprimido, e a confusão se fez completa quando enxerguei ao longe aquele mesmo velhinho triste e fumante (Alucinação? Espírito?) sentado. Do outro lado da praça a moça que cuida dos gatos usando sempre um jeans apertado (intoxicante...) e que nunca sorri e eu acho maravilhosa sem nunca ter chado a cinco metros de distância dela (Será também, uma alucinação?). Enfim... Eu não sabia o que fazer. Ainda não sei... só mudei de um tipo de tragédia pra outra. eek

(H.B)

Henrique Britto
Enviado por Henrique Britto em 09/01/2024
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