CHICO BUARQUE
A IRONIA EM CHICO BUARQUE DE HOLLANDA
Nelson Marzullo Tangerini
Os brasileiros parecem não mais se importar com a mistura de “tu” (2ª pessoa do singular) como “você” (3ª pessoa / pronome de tratamento / singular) , em letras de música.
Foi o que percebi no dia 31 de dezembro de 2023, ao assistir ao programa “Canta comigo”, da Tv Record. Tanto aos pessoas que cantam, quanto as pessoas que se julgam jurados demonstram total desconhecimento da língua.
Volta e meia, alguém traz uma coisa boa: uma canção de Noel Rosa ou Milton Nascimento. No mais, pagodes e breganejos muito chatos, escritos por autores chorando a sua dor de corno.
A outra emissora, a Tv Globo, tenta nos empurrar, goela abaixo, o pior da música brasileira.
Entediando com tanta mediocridade, pedi à Verônica, minha esposa, que procurasse, no dia 1.1.2024, no Youtube o Especial de Chico Buarque, uma vez que já tinha intenção de escrever algo sobre ele – e seus 80 anos, serem completados em 2024.
Chico é um dos maiores nomes da História da MPB. Escritor, ganhou o Prémio Camões, ignorando solenemente pelo desqualificado ex-presidente, amante das armas e inimigo das letras.
Como se sabe, o tresloucado capitão se recusou a assinar seu Diploma, impresso pelo Instituto Camões. Sorte de Chico, que não teve seu Diploma assinado por uma cavalgadura, que, durante seu desgoverno, procurou, em suas motociatas, copiar as motociatas de Benito Mussolini.
Lembrando Belchior, eu diria que nossos ídolos ainda são os mesmos, mesmo que eles tenham ultrapassado 80 anos, como Gil, Caetano e Milton.
Edu Lobo, um dos parceiros de Chico, por exemplo, acaba de lançar um novo cd, intitulado “80”, com músicas inéditas, entre algumas revisitadas.
Mas é de Chico que eu quero falar. Quero falar de seus 80 anos e de sua contribuição à MPB.
Conheci-o, certa vez, num Teatro da Rua Senador Vergueiro, no Flamengo, logo após a morte de Vinícius de Moraes. Estavam todos abalados com aquela grande perda. Ali, se apresentaram Toquinho, Tom Jobim e Francis Hime para homenagear o “Poetinha”. Chico não participou do show, mas estava na plateia e, apresentado a mim por Francis, pude conversar rapidamente com ele no camarim. Na verdade, nem sabia o que lhe dizer, porque sua presença me deixou meio desconcertado. A seu lado, Miúcha abria-me um sorriso até hoje inesquecível.
Chico, que domina muto bem a linguagem culta, a coloquial e dialetos regionais (resultado de sua intimidade com a obra de Guimarães Rosa), fala também o francês, o italiano e o inglês. Sabe, portanto, como bom compositor, o que é “licença poética”, recurso desconhecido de muitos picaretas que infestam a nossa música.
O documentário é um grande registro, revela a forte e rigorosa censura à sua obra, como Cálice e a ignorância dos censores que picotavam suas letras. E, às vezes, cortavam a letra inteira, como esta, aqui citada. Irônico e debochado, como sempre, subiu ao palco com seu parceiro e ambos cantaram Cálice. Gil cantava um la la ri ri ri, enquanto Chico cantava: “Cale-se!” A plateia, inteligente, percebeu o corte e os aplaudiu. Creio, enfim, que novos documentários devem surgir, para atualizar a vida e a obra desse grande gênio de nossa música, símbolo da resistência ao burro e assassino regime militar.
Em pleno Século 21, mais precisamente em 2024, continuo ouvindo esses oitentões, representantes da música inteligente e bem elaborada – poética e musicalmente.
Escreveria páginas e páginas sobre Chico Buarque e não conseguiria escrever sobre a sua personalidade e seu talento.
Amanhã há de ser outro dia, e sua música será eterna, bem como sua obra literária.
Fico aqui, esperando que ele seja agraciado, um dia, com o Prêmio Nobel de Literatura. Assim como o poeta e compositor Bob Dylan. Talento não lhe falta.