Meu professor
Meu professor
Você marcou com sua presença, aliás rápida presença, - foi apenas um ano de convivência - toda direção intelectual da minha existência.. Nela professor, com seus ensinamentos e palavras, você revolveu a terra, semeou e fez eclodir tendências que direcionaram para sempre a busca de meus caminhos profissionais, o mergulho na literatura, o estilo redacional, enfim a forma pessoal de , através das letras, relacionar-me com o mundo.
1941... Foi apenas um ano... Um ano que poderia ter se perdido na voragem do tempo sendo por ele tragado, como o foram na minha memória tantos outros.
Eu era uma adolescente sonhadora. Uma aluna comum. Gostava das aulas pelo ambiente familiar do colégio, pelo carinho dos professores, pelo contato alegre com os colegas. Amante dos estudos? Nem tanto.
Você, professor , um jovem começando a galgar os primeiros degraus do magistério, pleno também de sonhos e de um entusiasmo peculiar que o tempo e as vicissitudes do cotidiano, pelo que acompanhei à distância - pois você se projetou no cenário cultural de nossa pátria - você, meu professor, não perdeu jamais.
Professor de Português! Creio ser esta a denominação da disciplina, um misto de gramática e literatura, nos idos anos 40 , antes da Reforma Capanema.
E sua figura professor, suas aulas, hoje quando me encontro septuagenária , projetam-se de forma clara e delineada em detalhes, na minha memória, no meu coração, na minha alma.
Você era um apaixonado por nossa língua, pela literatura portuguesa e especialmente pela literatura brasi-leira.
Num método inovador, explicava a elaboração dos períodos e os componentes das orações, através de esquemas e incentivava sempre o uso diversificado do rico vocabulário de nossa língua. Procurava passar para seus alunos que a língua portuguesa não se resume em ser instrumento indispensável no campo profissional e nas relações interpessoais, mas se constitui num manancial gerador de emoções e sentimentos.
Professor, foi apenas um ano de convívio, um ano letivo apenas, na sala de aula de um colégio localizado no subúrbio do Méier, colégio que já não existe mais, ou melhor, foi tragado por um conglomerado educacional, onde você, com sua fluência, empolgava seus alunos, esta sua aluna, com a dissertação que fazia sobre a riqueza da Língua Portuguesa, com seus escritores e poetas, e ia nos fazendo conhecê-los e amá-los.
Lembro-me tanto da “Última tourada em Salvaterra” que arrancava lágrimas de muitos de nós ... Lembro-me das referências a Camões, Fernando Pessoa, Machado de Assis, José de Alencar, Olavo Bilac, Mário de Andrade, Castro Alves, Hermes Fontes e tantos outros... Era uma mistura gostosa de vidas, estilos e épocas que você conseguia, com seu talento, desdobrar para nós, descortinando aos nossos olhos um pouco da imensa gama dos que cultuaram o idioma português.
Muito e muitos anos mais tarde, creio já na década de 80, não me recordo com precisão, nos reencontramos numa festividade no Colégio Pedro II, onde você era catedrático e eu professora.
Com os olhos marejados de lágrimas, dirigi-lhe a palavra: “ o senhor foi meu professor, quando eu cursava o 3º ano do Curso Ginasial, no Colégio Dois de Dezembro. Jamais me esqueci, professor”. E o senhor. alquebrado pelos anos, já doente, teve a delicadeza e a sensibilidade em retrucar : “eu também nunca esqueci aquele tempo”.
Foi a derradeira vez que com o senhor. cruzei na vida. Mas carrego comigo, nas minhas atividades profissionais, nas criações literárias e no amor à literatura, muito de você professor Carlos Henrique da Rocha Lima, meu Mestre Inesquecível.!