Eu sou eu, 2024
Caros leitores, eu sou 2024 e faço parte do tempo, que me pariu, que me deu à luz, porém sou visto também nas trevas... E como o cavalo, logo ponho-me de pé, disposto, robusto como o tempo, prestes a caminhar; para alguns, andar; para outros, correr. E quanto mais avanço, mais sou 2024, ou menos 2023, que tanto avançou para que eu nascesse. Os anos são como os acadêmicos, um só se torna imortal, depois que outro morre. Não alterarei os meus passos, no entanto, ninguém diz em janeiro que eu passo rápido. Isso é assunto lá para o mês de junho, para depois do meio do ano, quando se lamenta o pouco tempo, nos birôs de trabalho ou nas mesas de bar: “Ontem era julho, e quando abrimos os olhos, já se vê agosto”. São conversas que não alteram meu ritmo; diferente do cavalo, não alvoroço minha velocidade, tampouco diminuo a pisada. Ou seja, não dou ouvido às reclamações, o tempo é impositivo, indiferentemente ocorre, não sofre disrupção e continuamente estável se comporta.
Chamam-me de 2024, nenhum outro ano terá nome igual ao meu, ou talvez surja um igual, mas dito antes de Cristo, historicamente com caras, atos e fatos bem diferentes. Quanto mais o tempo avança, os anos se caracterizam bem dessemelhantes uns dos outros. O ano seguinte sempre comporta mais experiências do que os anteriores. Não sei se por causa dessas guerras, dos genocídios das pessoas e das inocentes crianças, percebi que a minha entrada, nesse último 31 de dezembro, celebrou-se menos festiva do que a de 2023. Pouca gente saiu às ruas, ou mesmo em casa, resumiram a comemoração a um abraço e a um rápido “feliz ano novo”.
Pouco importa esse festejo desinteressado, o tempo por si só se impõe, fora dele nada acontece. Não existe para os leitores o dia de morrer, isso seria determinismo, pois é impossível sua morte fora de uma hora, de um dia ou de um ano. Algumas coisas minhas são análogas às dos humanos. Por exemplo, igualmente aos leitores, não pedi para nascer. Desde que haja alguém para fracionar a unidade do tempo, contando-os, os anos nascerão. E também, como cada um de vocês, a cada fim do último mês e do seu derradeiro dia, os anos morrerão. Um ano nasce, depois que o outro morre... Observando o frisson do comércio, quando senhoras e senhores, jovens e acompanhadas crianças, conforme seus poderes aquisitivos, procuram comprar coisas e iguarias, como se tudo fosse preparação para o meu início, menos das despedidas do meu irmão 2023; e assim será a minha vez. Tudo em vão, eu iniciaria do mesmo jeito sem essas despesas, assim como sucede aos pobres que nada possuem para essas compras.
Repito que não pedi para nascer, mas querendo ou não, nasci. Na pior das hipóteses, o tempo não comete aborto, tampouco suicídio para abreviar o ano, que não esteja agradando. O tempo não se enfeza por tais motivos, tampouco se enfada, quando alguns de vocês o acham monótono. Os anos se definham apenas com o passar dos dias. É por isso que nenhum ano jamais teve esses sentimentos ou outras motivações, conjecturando mudança no seu transcurso. Diria que tempus imperturbabile transit ou o tempo imperturbável passa.
E lá vou eu, 2024, confundindo-me com os humanos, mas não tendo a ver com seus sucessos ou malogros; que cada um se responsabilize por qualquer bem ou esplendor que aconteça durante 2024. O tempo se satisfaz, e eu como parte dele, sou, enquanto durar, de natureza apolínea e curiosa. Somos tão indiferentes à ação humana que alguns desconfiam que o tempo não existe... Eu sou eu, 2024, como tempo, quase indefinível, e quanto aos leitores, apenas palco das suas circunstâncias.