Milhares de livros
Chega uma pessoa aqui em casa e diz: "Meu Deus! Quantos livros você tem!". Respondo então, humildemente: "Ah, esses são os da minha mãe. Os meus estão lá dentro". Lá há uma estante que tem 40 anos e já abrigou televisão, videocassete, aparelho de som... Hoje ela só serve para abrigar livros, em todas as prateleiras, em todas as gavetas, em todos os lugares onde houver um espacinho.
Há ainda outros pontos com livros espalhados pela casa. Sim, tenho um bocado de livros, mas não me envaideço por isso. Já faz um bom tempo que tento me livrar dos livros (embora chegue um novo quase toda semana). Afora a questão física (com mais alguns livros, precisarei dormir no banheiro), há também certa filosofia: concordei com a ideia de que o livro precisa circular.
Fazem muito sucesso por aí as frases do Umberto Eco defendendo a sua biblioteca de 50 mil livros, com a ideia de que é bom tê-los aos montes, como talheres ou chaves de fenda. Ele também usa a metáfora do remédio, porque sempre é bom tê-los em casa, nunca se sabe quando se vai precisar - assim seria com os livros.
Umberto Eco morreu sem precisar da maior parte dos remédios que juntou. Não tinha as doenças que eram curadas por eles, ou, se as tinha, não eram urgentes. Se não eram urgentes, os remédios não poderiam estar em um posto de saúde, para quem realmente estava doente e precisava deles? Mas os remédios venceram...
Deixemos de metáforas. O pior que pode acontecer a uma pessoa que precisa de um livro e não o tem em casa é ter que procurá-lo em uma biblioteca pública. Sei bem que a maioria das pessoas (e mesmo dos escritores!) não têm o hábito de frequentar bibliotecas públicas. Para mim, uma ida a uma biblioteca pública é um evento que aguardo com a mesma ansiedade de uma viagem de férias.
Nem todas as cidades têm bibliotecas públicas, principalmente boas. Mas, vejam que coincidência, eu tenho alguns livros bons que estão aqui em casa só ocupando espaço, pois não voltarei a lê-los! Com um só gesto, arrumo espaço em casa, melhoro a biblioteca da minha cidade e devolvo à vida a livros antes destinados ao mofo.
Há ainda amigos que podem gostar desse ou daquele livro, e então eu posso enviá-los diretamente para eles, sabendo que serão lidos e apreciados. Alguns preciso manter comigo, os da minha afeição, os que sempre consulto, os de amigos, os autografados... Mas os outros bem podem seguir seu curso por aí e curar outros doentes.
E se eu precisar consultar um livro e não tiver em casa, ah, que delícia será sair daqui e ir até um espaço onde há mais livros do que eu poderia juntar na vida, há mais livros até do que o Eco juntou em sua vida (a biblioteca pública de Curitiba tem 730 mil livros), onde nenhum livro é meu, nenhum livro é seu, mas todos os livros são de todos, e tudo oferecido de graça a qualquer pessoa!
O paraíso, para mim, é uma grande biblioteca, mas definitivamente ela não fica aqui em casa. E é bom, porque o paraíso é grande demais e não iria caber na minha fraca estante de 40 anos.