Férias no Araras
Oras, cá estou eu novamente às voltas com a biologia reprodutivo dos anuros, esses bichos de pele lisa e úmida, que inundam a beira dos lagos com seus coaxares.
Mas, caro leitor, se é que há quem deite os olhos sobre essas coisas que escrevo e denomino crônica. Oras, ainda por essa noite andei lendo colunas dos finados Machado de Assis (que tem sobrenome de santo, o Frascico) e José de Alencar e devo confessar, me acanha enveredar por escrivinhações. Mas deixa lá, não vou por proselitismo desviar vossa cara atenção.
Falava eu, por essas linhas, de sapos, rãs e pererecas. Mas poderia ter iniciado escrevinhando sobre férias de verão. Sim, pois ao cabo e o rabo, é disso que se trata. Lembro-me que lá pelos idos dos anos de 2000, nessas férias, tocava caravana para o litoral norte Paulista, com todo tipo de tralha e a família reunida. A litorânea cidade de Ubatuba, com suas 100 praias ilhas e ilhotas, era quase sempre o destino.
Em certa ocasião, deitamos estalagem no Chalé que tem nome de ave das mais coloridas, Araras do Sapê, de fronte para praia de igual nome, Sapê.
Hospedagem simples e memorável, lugar aprazível com jardim denso, com suas heliponeas, lírios,manacás e betunias, e denso arvoredo, abrigando no interior do terreiro um pequeno lago de aguas esverdeadas.
Aquele minúsculo lago, habitat de número expressivo de anuros. Rãs, sapos e pererecas que desabavam em sinfonia com hora marcada. Bastava os últimos raios de sol do dia deixarem de brilhar, para a sombra da noite convoca-los ao espetáculo.
Mas, mais uma vez, não é caso de desvios de atenção, e não quero meter-me nas coisas da música, muito menos a clássica, pois certamente, Beethoven, Straus, Bach e companhia, que muita sinfonia fizeram ecoar nos clássicos teatros do velho mundo, teriam ouvidos mais apurados para o bom diálogo com esses bichos à beira lago.
Seja como for, os acordes e as notas musicais se embrenhando harmoniosamente, ao cair do sol, era de certo um espetáculo à parte por muito interessante e belo.
O coaxar do sapo-boi, um perfeito grave mugido, o naipe de sapos-martelo percursionando e marcando o ritmo, as pererecas-verde fazendo os sopros, fariam Beethoven recobrar a audição.
Que maravilha assistir tamanha opera, com o corpo jogado, balançando na rede estrategicamente instalada na varanda.
Há quem não suporte cantoria de grilos e cigarras, quiçá de anuros, mas digo por aqui que é sinfonia por demais afinada e interessante.
Pois bem, lá se foi coisa de uma década, e novamente dei-me por fazer paragem no Araras, após longa ausência as férias de verão seriam dadas como dantes. E, lá estava tudo como sempre, o lago e aqueles bichos de pele úmida e lisa a se resolverem em cantoria.
Sabe-se bem que não é esforço sem propósito tantos tenores, sopranos e contraltos em eloquência à beira lago. Essa cantoria tem como pano de fundo o bom sexo e a reprodução. Os que melhor entoam as notas, mais prole produzem. Esse é o ciclo da vida e, a dos anuros, o leito de partida são os brejos por ai à fora.
Desta feita, em mais uma noite de calor, na varanda, lua cheia, fiquei por fazer cálculos escutando a cantoria. Pois bem, visto que anuros são bichos de vida curta, desde a minha primeira estadia por aqui, de lá para cá, quantas gerações de sapos, rãs e pererecas sucederam?
Mesmo sabendo que desde os babilônios a matemática é das ciências a mais exata, não carece meter-se a cálculos, mas fiquemos por aqui. A cantoria toda é mais uma das coisas belas que a mãe natureza consegue produzir. Finalizemos requerendo ao santo de sobrenome Assis, a bênção para todos os bichos
desse mundo.
Gladyston Costa