Crônicas da Amendoeira ( Quando Pret-À-Porter chorou )
As aparências enganam, dissera um Pret-À-Porter entusiasmado pelas gotas de Sagatyba que lhe abrilhantavam os olhos. Ninguém soube a razão para o mote, mas nada foi dito. Em seguida, desfiou um rosário de exemplos que buscavam corroborar o aforismo popular escrito, sabe-se lá por quem. Era como se o dito estivesse talhado numa espécie de inconsciente coletivo primevo, talvez presente desde os ancestrais Australopicíneos que, descendo das árvores e vendo-se eretos, deixaram para trás um pouco mais das aparências simiescas.
Tentei fazer com que o amigo visse que as coisas poderiam não ser bem assim. Aprender a relativizar as afirmações peremptórias era sempre de bom alvitre. Mas o amigo parecia exultante demais para maiores reflexões. Seu exemplo principal recaía sobre o Veríssimo:
- Veja, professor, o homem tem cara de presidente de Banco privado! Não parece o genial cronista que o senhor tanto admira!
Apesar de concordar com o velho guardador de águas da Cedae, fiz-lhe ver que existem aqueles que não se curvam ao peso axiomático de sua sentença. Nietzsche, por exemplo, via na feiúra de Sócrates a causa de sua filosofia decadente. Os ditirambos do germânico Corifeu azedaram – e dessacralizaram – a influência apolínea sobre a Cultura Ocidental.
Como se vê, Pret, o entusiasta de Heráclito reduz a pó esta sua convicção.
Não citei o exemplo do filósofo alemão com a finalidade de embaçar a euforia do amigo, mas embacei. Nem mesmo a Sagatyba adicional trazida pelo Márcio foi suficiente para devolver-lhe à realidade do Bar. Tudo ruíra sob seus pés. E chorou, copiosamente chorou. Ninguém interferiu naquele pranto solitário e mudo.
Afastei-me para o balcão. Mas como lágrimas dessa natureza têm o dom de lavar a alma e as emoções furtivas, em breve Pret-À-Porter estava revigorado. Ergueu-se, pediu um domeque e brindou ao ano que se aproximava. Sorriu-me. Devolvi-lhe a alegria com um abraço. Sim, isso é humano, demasiado humano, com Nietzsche ou sem ele.